HERMETICO

serpens aut draco qui caudam devoravit.

(Fulcanelli)[1]



[1]As Mansões Filosofais. Trad. António Last e António Lopes Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 229.

A Ars Transmutatoria é apanágio da Univocidade.

A transmutação pareceria um absurdo para o homem primitivo, a não ser se fosse explicada como algo além de toda compreensão, que não estava na ordem natural das coisas.

Hoje em dia, a ciência começa a aventar a hipótese da transmutação, o que é muito engraçado, pois é ela mesma ciência que nos diz que o universo é quase todo constituído de átomos de hidrogênio, de peso atômico 1, com um próton e um elétron, e que todos os outros elementos, que são como que construtos de vários átomos de hidrogênio, vários prótons e vários elétrons, são formados a partir desse átomo simples, nas reações de fusão nuclear que ocorrem normalmente nos sóis, e nas explosões das supernovas.

As reações ininterruptas de fusão nuclear que emitem todas as radiações de um astro e mantêm sua massa no quarto estado físico da matéria plasma produzem ininterruptamente átomos de hélio peso atômico 2.

Mas reações mais especiais, quando os sóis se formam ou quando explodem numa supernova, atingem graus ainda mais altos de temperatura e pressão, e fazem com que ele emita uma cascata de radiações e de átomos mais pesados, todos os outros até o urânio (e depois), que são formados nessas explosões em tremendas reações de fusão de núcleos de hidrogênio.

O universo inteiro é constituído de hidrogênio, sendo os sóis momentos no continuum tempo espaço mais densos da sua ocorrência, o mesmo acontecendo com os astros mais frios, planetas e outros, que também podem ser encarados como constituídos de vários constructos mais densos ainda e com numerosas montagens dos átomos de hidrogênio.

Outra coisa que a ciência seculovíntica descobriu é que o ser vivo também é capaz de fazer transmutações elementares, inconscientes.

Os ovos são fundamentais para a reprodução das aves, e a casca é essencial para que o ovo posso germinar e eclodir. Para que a casca seja forte a ave precisa de muito cálcio na sua alimentação (ossos e cascas são feitos de cálcio). Quando os experimentadores retiram esse elemento da alimentação das galinhas, no entanto, elas fazem internamente a transmutação de algum outro elemento presente na sua dieta em cálcio, por exemplo, o potácio, K, peso atômico 19, que se torna cálcio, Ca, peso atômico 20, pela adição de um próton e um elétron.

Você sabe os multivitamínicos que se compram e que contêm todas as vitaminas e sais minerais necessários no metabolismo humano? O esperma humano contém todas essas vitaminas e sais minerais, mesmo que não estejam presentes na alimentação do homem. (O mesmo se dá com o colostro, leite que o bebê mama assim que nasce). Assim como, na cauda locomotora do espermatozoide, há átomos de ouro, sempre, ainda que o seu produtor não ingira vestígios dessa substância. Logo, o pai que gera, a mãe que alimenta, produzem, em seus corpos, transmutações que viabilizam o espermatozoide e o colostro. O mesmo se dá com o cálcio da casca dos ovos das aves: se tal elemento for retirando da sua alimentação, elas mesmo assim botarão ovos com cascas de cálcio, por transmutação.

O que absorvemos são substâncias, compostas de um ou mais elementos, que o trato digestivo e as células aproveitam como moléculas das substâncias mesmas, ou reduzem a moléculas menores, como no caso das proteínas animais e vegetais, que aproveitamos como aminoácidos (que também são moléculas, menores que as proteínas, que as constituem) ou elementos (às substâncias correspondem moléculas, e átomos aos elementos). Há uma mente no corpo, nos órgãos, nos tecidos e nas células, que parece que sabem o que podem e devem fazer. Há uma mente na semente (a automente, isto é, a mente de si de cada ser).

Nessa visão, que é puramente originada na química e na física atuais, os átomos não são mais aquilo que seu nome diz, indivisíveis, mas sim construções de elétrons, prótons e nêutrons, os quais, por sua vez são montagens de outras partículas, e que podem se combinar entre si de uma forma mais essencial, não só pelas ligações químicas, mas nas estruturas físicas que ultrapassam a sua definição na tabela periódica, isto é, a sua elementaridade.

Estamos falando sobre transmutação, e o nome deste texto é “Hermetico”, em latim (no caso, no ablativo, subentendendo a preposição “de”, que significa “a respeito de”: “A respeito da Arte Hermética”); quero, porém, deixar bem claro que não pratico alquimia, a qual implica necessariamente na prática laboratorial. Coisas como arquétipos psicológicos ou simples espiritualismo são tão alheias ao trabalho alquímico quanto algo pode ser; quanto a química, por exemplo.

Um autor só está autorizado a escrever com seriedade sobre alquimia se for um adepto ou um amoroso com experiência pessoal e intransferível – esta informação está em muitos autores, como no que citei antes, e no seu amado pupilo (e.g. Eugene Canseliet, A Alquimia Explicada sobre seus Textos Clássicos).

O que vincula o que agora se escreve à alquimia verdadeira é o recurso ao mito, que serve de base de transmissão e iluminação naquela antiga e profícua ciência.

Sirvo-me em muitos textos da função fabuladora, que cria representações, que às vezes querem manter o status quo, porém, também podem querer criar novos meios religiosos para expressar novos modos sociais e a evolução criadora (Henri Bergson, As Duas Fontes da Moral e da Religião). Veja, os mitos tanto servem para conservar (e podem ser entraves à evolução) quanto para criar (e é aí que eles me interessam).

E é enquanto engendradora da criação (provocada por mitos não exemplares) que a alquimia me interessa.

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