ESTÁTICA & ESTÉTICA – parte 2

A leitura como foco irradiador de pensamento descentralizante e potencializador é o melhor meio de combater os círculos burrificadores da mídia monocromática e obtusa, é a vacina antiburrice que devemos adotar em todos os níveis e em várias estratégias e estratagemas, a partir de nossa vivência cotidiana, do trabalho que desempenhamos e das relações que temos.

Segundo Foucault, o que importa não é o que se sabe, mas o que se pode.

Assim, precisamos também pensar a educação, ensinando a agir, seja no campo teórico, seja no prático. Uma aprendizagem que leve a saber é como entulhar uma casa com coisas que podem ser utilitárias ou não, mas que, estando atulhadas, impossbilitam seu uso ou o do espaço; sendo assim, o primeiro passo do educador, será no sentido de limpar a casa.

Quando Sócrates foi considerado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio dos homens, ele mesmo foi o primeiro a não compreender a resposta, e resolveu peregrinar ao templo de Apolo, para perguntar como aquilo era possível, pois ele se sabia um homem que sabia muito pouco, ou melhor, que não sabia nada, de verdade.

Ao chegar na porta da construção onde ficava a pitonisa ele viu a inscrição em grego que dizia: “Conhece-te a ti mesmo”. Saiu de lá satisfeito com o que se lhe revelava. Não precisou fazer a consulta. Ele teria que encontrar a resposta mergulhando em seu próprio interior, e foi o que fez, na tentativa de se conhecer, saber o que havia em si de tão sábio que chamara a atenção do próprio deus.

Conversando com todos os homens ditos sabedores da cidade, aqueles que conheciam o que era melhor no campo da política, da educação, da medicina, das artes, dos esportes etc, foi pouco a pouco percebendo, e fazendo cada um de seus interlocutores admitir, que não sabia nada sobre aquilo pelo que era considerado sabido.

Foi aí que Sócrates compreendeu: ele era o mais sábio dos atenienses justamente porque era o único que compreendia sua limitação, e sabia que nada sabia.

Sócrates pode até ter inaugurado a filosofia da representação e aberto a porta para uma forma estatal de pensar, com sua filogenética de Platão e Aristóteles. Mas não devemos esquecer que de Sócrates, de suas conversas despretensiosas e seriíssimas, também nasceram as escolas socráticas menores, a cínica, a megárica e a cirenaica, que fazem a ponte entre o pensamento pré-socrático e as filosofias estóica e epicurista.

Por outro lado, Sócrates, com sua maiêutica, arte da parteira, que ele se considerava, como sua mãe o fora, um fazedor de partos, só que no seu caso de ideias; com sua genuína honestidade intelectual, e sua coragem de investigar a fundo o conhecimento disponível em sua sociedade, e a sua capacidade e a de cada um dos cidadãos, ele se tornou o primeiro revolucionário da educação. Ele propôs um modelo educacional, baseado não no conhecimento, mas na tática, na estratégia de tudo questionar, o que, por paradoxal e genial que seja, ainda o relaciona com os sofistas.

A dificuldade inicial com a qual o processo de aprendizagem esbarra é a crença injustificada das pessoas de que já sabem tudo que necessitam saber. Como diz Deleuze a propósito de Proust, no livro Proust e os signos, sobre sua obra, só pensamos quando forçados. E o que nos força a pensar? Eu responderia que são duas coisas: uma situação e um instrumento.

A situação que propicia a novidade conceitual, a transformação de forma de ver e compreender, e atuar sobre o mundo, é uma situação que exige renovação, que força a mudar; pode ser a insuportabilidade de um determinado estado de coisas, ou a necessidade de dominar meios e recursos que ainda não se dominam. O móvel primeiro dos seres vivos é a sobrevivência. Depois vem a reprodução. E depois, a qualidade da vivência. Isso em geral, mas nós semos sempre imprevisíveis, a única lei é a mudança, a única certeza é a novidade.

Todos os três fatores podem levar ao incômodo, que gera a necessidade de aprender.

Já o meio da aprendizagem é o signo, que é o único instrumento de comunicação e comunização de que dispomos. Logo, ele tem um fator social, político, econômico, psicológico, linguístico e educacional. Sempre, ao mesmo tempo. Tudo isso fazemos com signos.

Deleuze e Guattari, em Mil platôs, fazem uma verdadeira genealogia das ciências humanas, mostrando que na educação o que predomina é a palavra de ordem.
Foucault relata a importância do esquema arquitetônico do “panopticon” de Jeremy Bentham para a constituição dos recintos de confinamento, onde as subjetividades são controladas, e aprendem a obedecer, como vemos em Vigiar e punir.

Foi a partir da implantação do modelo do panopticon que surgiram a fábrica, como recinto de controle do trabalho, o hospital, o hospício e o presídio, para corrigir os desvios comportamentais, e a escola, como centro modelador de comportamentos e pensamentos.

A questão primacial da escola tem sido esta, fazer obedecer, ensinar a obedecer. Cumpre encontrar o caminho que a tornará uma máquina de fazer pensar.

Hoje em dia, a grande formadora de mentalidade é a aquilo a que se chama de mídia, isto é, media, palavra latina que significa meios, no plural, e que designa a generalidade dos meios de comunicação de massas.

A escola parece pequena e pouco influente, diante dos meios de comunicação que carreiam grande parte da atenção dos jovens. A aula fica sendo chata, quando o aluno está acostumado à velocidade digital e à imediatez do áudio-visual, das cores, dos sons, dos movimentos das imagens.

À escola cumpre encontrar novos caminhos para formar o ser total, muito mais que cidadão, que o inclui, o ser pensando e criando. É preciso se apropriar dos meios de comunicação eletrônica, informática e áudio-visual, sem no entanto cair nas armadilhas que o uso consagrado dos meios nos mostra, sem baratear o pensamento e suas questões.
O que cumpre esse papel de enriquecer questões, potencializar o pensamento e apropriar meios para o pensamento e a aprendizagem é o uso da língua, na sua dupla vertente, enquanto língua falada e enquanto língua escrita.

Todo falante de uma língua é pelo menos bilíngue, porque domina duas formas da linguagem verbal: a semiótica oral e a semiótica escrita. É necessário o domínio das duas, para compreender os mecanismos de formação do discurso, a lógica da linguagem, que é o sistema modelizante primário (a língua código ou metalíngua) na qual todas as outras formas de código (sistemas modelizantes secundários) se traduzem, e no qual se fundam, isto quer dizer, só se aprendem outras coisas, inclusive outras línguas, dominando a língua materna, que serve de instrumento para apreender outros códigos.

Outra forma de ver esta questão é o reconhecimento de que o processo lógico envolvido na aquisição da linguagem verbal, bem como no seu desempenho, é a base da socialização e das outras aquisições intelectuais e emocionais posteriores.

Há algumas coisas que são identificadas por muitas pessoas como sendo a própria escola, os seus elementos constituintes, e que, segundo meu ver, são os maiores obstáculos à aprendizagem produtiva e criadora: os horários, a sineta, as notas, os pontinhos da presença, as provas, o quadro-negro (ou de qualquer outra cor, retroprojetor, datashow, etc, que são só versões sofisticadas do quadro). Se esses itens fossem abolidos apresentaríamos uma evolução da educação nunca antes vista.

Então a questão…
Literatura, arte, sociedade, tv, leitura, filosofia, educação.
“Ver com olhos livres”, Oswald de Andrade, ler e ler, e reler e reler, leituras das leituras.
A estética como reversão da estática; contra o furto das espérides, o Fruto das Hespérides.
Quero dizer, a favor do futuro das espécies.

Leave a comment