ESTÁTICA & ESTÉTICA – parte 1


Dizer que a resposta à pergunta é múltipla, simultaneamente afirma o devir: todo este rio de fogo que é a vida, todo este encantamento que sopra com força cósmica, todo este poder do corpo − um bronze que tem como essência soar, retinir na história.E por isso estou aqui, mais uma vez.
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O pensamento atravessa qualquer coisa.
(Cláudio Ulpiano)


Agora a crítica é que é o problema.

Talvez o próprio sucesso precedente, e a tradição, a fortuna crítica que acompanha uma obra, como um cardume segue um barco, produza um efeito psicológico, ou até mesmo de massa, gravitacional, garantindo valores ao longo do tempo, cada vez mais.

Isso não explica nada: como algumas produções vão ser resgatadas fora de seu tempo, e nem dá conta das obras de arte que vem e virão, e que, portanto, se apresentam livres, pelo menos de um consenso crítico a seu respeito.

Assim, quem quiser se meter por esse mister de criticar tem pelo menos duas opções: a garantia de lustrar os medalhões, ou a investigação dos recursos e efeitos que se podem encontrar e possam possuir valor estético nas obras já reconhecidas ou nas novas que surgem, e não utilizar o que já sabe sobre elas ou o fato de nada saber como “a priori” da avaliação.

Investigação sobre o real, como pode e como é, e o virtual. Nesse sentido é um sentido como um outro ou novo sentido, ou a ativação pela ação da mente que sente e da mente que pensa mais racional que a própria razão, é conexão e a ativa ação de um novo sentido, que vê de novas formas plurais o real e o sol, e o real pluvial.

Ainda é um livro além do bem e do mal, do bom e do ruim, do ótimo e do péssimo, do melhor e do pior, dos comparativos. Por isso está aberto ao novo e ao velho, e a revê-lo, revertê-lo, reavê-lo, revisitá-lo.

Posso dizer que é uma Nave dos Loucos, como conta Foucault na sua História da Loucura, mas posso dizer também que é a cura pra tanta caretice dentro e fora da burrice. Não é a nau que punha pra fora os diferentes, como se fosse um depósito de anomais ou os dispensários de leprosos, porque o objetivo aqui não é excluir, mas incluir, fazer ouvir as vozes dissonantes que dizem o que já disseram antes ou fazem novas palavras repetidas.

É uma Arca de Noé com bichos da mente, bichos dementes, cheios de razão, e muitos, muito mais que um casal, de cada.

É um brado de amor à vida e ao pensamento, é um movimento em direção à claridade, como quem pede mais abertura, mais ar, um pouco mais de possível. Estabelecer possibilidades em um solo tão maltratado é uma forma de apostar no ser humano.

Acontece que o Brasil está em crise, tal qual o mundo, não há diferença, não há como separar realmente as coisas, pois elas estão sempre ligadas de formas visíveis e invisíveis. Se o fazemos é para poder falar sobre elas com uma linguagem feita de signos desconexos, que não são espelho real do mundo, antes uma forma limitada de se referir a ele.

Mesmo entendendo que tudo é um só, vamos fazer um enfoque em nossa abordagem, escolhendo uma determinada configuração ou recorte. Vamos falar do Brasil.

Que há graves problemas que nós não criamos, que não nos interessam, problematizações inimigas que nos atrapalham, que nós não queremos nem pedimos, nem faríamos ou fazemos tanto quanto é do poder de nossa vontade, nisso todo mundo acorda, todo mundo concorda e ao mesmo tempo diz que desperta para a estranha realidade, assim como quem lamenta: “o sonho acabou”.

Grandes soluções são propostas como uma máquina-mágica salvadora, ou como delegação a outrem (seja ele indivíduo ou instituição) da responsabilidade de resolver um estado de coisas que é a nós que incomoda, quem é que sejamos nós. E quem somos nós?

Também quero propor aqui o meu diagnóstico, e ao mesmo tempo ainda trazer a solução, que é uma verdadeira panaceia, no seu sentido primeiro e alquímico, isto é, um remédio energético real que age, não combatendo alguma doença, mas sim trazendo a saúde. O problema mais medonho do mundo atual – e consequentemente do Brasil e de cada indivíduo que aqui vive – é a burrice. É só isso.

É claro que há “n” desdobramentos, porém a burrice é a grande causadora dos males brasileiros atuais. Trata-se de uma péssima notícia. E, ao mesmo tempo, uma ótima nova.

Porque, se o que temos que superar é só a burrice, se ela é a deficiência que faz nosso povo sofrer, podemos facilmente sair de tal situação – basta utilizar uma das tantas vacinas antibúrricas que existem. E o meu papel é exatamente apontar uma das mais simples, baratas, gerais, testadas, geniais e eficazes vacinas antiburrice que existem, que, em sendo adotada, garantirá ao nosso povo elevação física e mental nem sequer ainda sonhadas, em pouquíssimo tempo.

Ler.

Evidentemente não é ler qualquer coisa; é muito comum encontrarmos pessoas que se orgulham de gostar de ler revistas de fofoca ou escritores que não fazem propriamente literatura, mas tv de papel. Sair da tv para cair na tv não vai elevar o nível mental de ninguém. A vacina antibúrrica é ler textos potentes. Para que ela possa ser administrada a todos os brasileiros (e o mesmo valeria para os terrestres em geral) é necessário que se criem condições propícias.

Uma delas é fazer as pessoas desligarem a tv, às vezes, e abrir um livro. Para isso temos que entrar na tv. Programas inteligentes levam a pensar, causam inquietação, e fazem a pessoa querer agir, se tornar ativo no pensamento e na recepção de imagens e ideias. Esta invasão aconteceu na música popular brasileira (e em outros países também), com vários autores anteriores à bossa nova, e com mais força, a partir dela. Muita gente boa foi para a literatura, a filosofia e a ciência a partir de compositores que tinham vindo de lá, ou que ousam cruzar a ponte de mão dupla.

Invadir a tv passa pelas tvs piratas e de comunidade, pela concessão de canais a cooperativas de produtores independentes e pela luta política por uma reforma agrária do ar (e outras conquistas, como tv na internet e o que mais se invente, e aqui devemos homenagear Guattari e Lizt Vieira).

Em termos dos monopólios que há, urge dinamitar condicionamentos e programações mentais, com o agenciamento dos programas a novas formas de sentir e pensar.

Evitar a novela exótica, por exemplo, que repete de forma monótona e vazia os mesmos estereótipos. Enlouquecer novelas, programas de auditório e “reality shows”, como uma forma de diluir seu potencial hipnótico e alienante. Nada de textos literários adaptados, que fazem o público comprar o livro e guardar na estante. Tudo de textos dilapidados. Personagens que não peçam para serem imitados. Modas enlouquecidas, que levem a criar. Chega de boas intenções e campanhas cívicas, falsos humanismos cujo único conteúdo e forma é o lucro. Basta de novelas que viciam e ficam o ano inteiro no ar. Por séries menos sérias e mais rápidas e ágeis, curtas e curtidas, com a convocação de vários e grandes criadores e liberdade para criar entretenimento que encha a alma e não o saco.

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