Entrevista com Jorge Mautner – parte 2

JM: Do momento presente. Eu falei isso agora.
NJ: Tanto a ficção científica quando o romance histórico.
JM: O passado também fala do presente. Quem fala do futuro fala do presente. Na verdade tudo é o mesmo pensamento. Mas mesmo o presente eu acho maravilhoso. Mesmo esse passado terrível do século passado, o bolchevismo, o fascismo, o nazismo, foi excitante, porque venceu o lado correto, e nós tivemos invenções, como a divisão do átomo. E Hiroshima e Nagasaki, não foi um crime perpetrado. Foi um momento da Segunda Guerra Mundial, os japoneses não iam se entregar, os fuzileiros americanos iam morrer, milhões de pessoas, não jogaram a bomba em cima de Tóquio nem Kioto, houve rendição imediata e o Japão passou a ter alinhamento automático. Você sabe que o General Douglas McCarthur quando chegou, havia uma recomendação do exército pra ele tomar cuidado, em primeiro lugar, eles tinham jogado dois artefatos, e a reação dos japoneses era imprevisível, que ele se preparasse para qualquer demonstração. Às cinco da manhã ele é acordado por um ordenança, diz: “que que foi, que que foi, eles tão atacando a gente?”, ele falou: “Não, eles estão querendo entrar no nosso exército. As filas dobram os quarteirões, e há vários ex-kamikases na fila”. (Risos)
CV: Inclusive o próprio McCarthur trabalha na elaboração da constituição japonesa.
JM: Isso, exatamente, ele até contrabalança, os jornalistas dizem: “mas essa constituição é muito à esquerda”, ele diz: “mas se for muito à direita, é desmoralizada”.
CC: Como é que você se situa diante do tropicalismo? Como é que você se situa diante, portanto, do modernismo e das vanguardas? A minha pergunta vai no seguinte sentido: as vanguardas lá na virada do século XIX pro século XX, não tiveram um excessivo viés cientificista, na medida em que precisavam de um projeto teórico pra fazer arte? Será se isso não era uma espécie de submissão ao discurso científico da época, que o artista precisa de um projeto pra despertar artisticamente, ou precisa pertencer a um rebanho, um determinado grupo, pra sustentar a sua arte?
JM: Nesse caso, eu sou totalmente o oposto. Sou o vulcão do romantismo aqui, sem dúvida, o coração, o instinto, o irracional, a intuição. Eu acho por exemplo que Augusto dos Anjos era mais sério cientificamente do que a vanguarda. Eu acho que essa mania, essa submissão é errada, mas lembre-se bem, naquela época, todo mundo queria ser científico, o Freud era científico, o espiritismo era científico, tudo era científico, o comunismo era científico. O que não fosse científico não tinha graça. Eu acho que a exceção era o fascismo.
NJ: Mas…
JM: Mas também tinha um viés. O futurismo, Marinetti.
NJ: Todos os sistemas achavam que, o que dava credibilidade a um sistema, era ser científico. Como também hoje em dia o chamado liberalismo.
JM: Agora, nesses próximos trinta anos, com o mapeamento do genoma, a nanotecnologia e os auto-replicantes, vai ser uma loucura. Agora essa mania científica passou pros concretos, também. Eu me lembro do Augusto de Campos lendo pro Haroldo de Campos embevecido uma bula de farmácia: “Olha! Nitrocitrolito…” (Risos)
LC: E quando você coloca a definição dos elétrons, da eletricidade e da eletrônica no seu poema?
CC: Mas aí ele tá desconstruindo.
JM: É! É! É! Mas eles tão domesticados à visão do… chimpanzé enlouquecido! (Gargalhadas.) O dominante é o chimpanzé!
LC: Mas tem a ciência nos textos do Mautner.
JM: Tem, eu já tive muitos leitores científicos. Eu tive muito vis-à-vis. Meu pai que ensinou o quanta, a relatividade, eu tô escrevendo O filho do holocausto, minhas memórias, o tempo todo nós falávamos sobre isso, depois o Mário Schenberg.
LC: Na crítica que ele faz a você ele fala no misticismo oriental.
JM: Inclusive, quando ele me encontrou, eu havia criado o partido do Kaos, eu com o Aguilar, seis meses, foi uma loucura em São Paulo, a gente usou uma garagem com a bandeira, tinha saído Deus da chuva e da morte, que tinha mais de 3000 partidários, em poucas semanas. Na Faculdade de Direito, inclusive, ganhamos a eleição, porque tinha os conservadores clássicos a e a esquerda, de repente surgiu um movimento que não era nem uma nem outra coisa, e aquilo, e o sucesso do meu primeiro livro, em 62, que ganhou o prêmio Jaboti. Aí o Mário Schenberg foi pessoalmente lá na sede do partido do Kaos, onde eu estava naquela tarde com o Aguilar, ele falou assim: “Não, esse negócio de Nietzsche, Dostoievski, tudo muito bom, esse irracionalismo, mas nós aqui, por exemplo, eu acabo de vir da China, falei com Mao Tse Tung, e olha esses livros aqui.” Eu não conhecia o taoísmo e ainda não fazia tai chi, em 1958. E ele então me mostrou o zen budismo e o budismo e o próprio taoísmo como superiores como superiores à literatura ocidental. Mas o mais importante é que ele disse assim: “Só interessam pro partido vocês dois, o resto…” (Risos) Foi um modo de esvaziar também aquela loucura.
LC: Mas você falou que na atualidade essas questões que levaram à marginalização dos artistas do romantismo já não são tão prementes, porque há uma democratização maior.

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