Entrevista com Jorge Mautner – parte 1

Publicada originalmente in Tecnogaia Revista independente de cultura, pesquisa e saber, nº 1, Rio de Janeiro, 2006, p. 71-80

Parte 1

2 de julho de 2005, das 15 às 18 horas

Na casa de JM, no Leblon, e depois na casa de Nelson Jacobina, em Santa Teresa. Participaram da entrevista Nelson Jacobina, parceiro de Jorge, Cid Prado Valle, Luís Carlos de Morais Junior e Cláudio Carvalho, repórteres da Revista tecnoGaia, e Dandara, cineasta e escritora, que se juntou ao grupo em Santa Teresa.

Jorge Mautner nos recebeu com muita simpatia e bom humor, respondeu a todas as nossas perguntas e ainda contou sobre seus novos projetos na música, cinema, tv e literatura, como o programa Cantos Gerais no Canal Brasil e o livro de entrevistas com Gilberto Gil, bem como seu livro autobiográfico. Neste, relata seu encontro com Getúlio Vargas, quando ele, menino de quatro anos de idade, era todo dia levado a brincar nos jardins do palácio do Catete por sua babá Lúcia, que também era mãe de santo num terreiro na Glória. Um dia um negro alto e bem vestido com terno branco pede a bênção da sua babá, é Gregório Fortunato, que falou que ia apresentar o menino ao presidente. E isso de fato aconteceu. Getúlio perguntou ao menino se sabia quem ele era. Jorge se perfilou, bateu continência e falou: “Presidente do Brasil!”. Getúlio lhe perguntou a sua nacionalidade, e Jorge lhe respondeu: “Brasileiro, graças a Deus!”, e a nacionalidade de seus pais, ao que o menino lhe informou: “São estrangeiros, coitados.”

Cid Valle: A proposta da Revista tecnoGaia é fazer uma fusão de linguagens. Nós somos pessoas que vieram a encontrar uma válvula de escape para suas expressões artísticas, por meio da academia, não somos pessoas da academia, não somos pessoas da academia, mas o caminho foi a academia. Então nós acabamos fazendo uma revista que busca a linguagem acadêmica, mas ao mesmo tempo busca destruir essa linguagem acadêmica.

Jorge Mautner: Eu quero parabenizar. Essa é uma ideia que mais uma vez explode uma fronteira, que separa a cultura acadêmica da cultura não-acadêmica. A gente não tem mais – o poeta mais modernista precisa ser antiacadêmico – uma relação do crime, e do pensamento do crime, pelos românticos, onde talvez fosse necessário ser transgressor, porque hipocrisia existia, Croce e Nietzsche, e todo mundo, e de hoje em dia em que não há mais essa hipocrisia, há democracia, dois em dois anos votação. Então o namoro com o crime não se justifica, é complicado. (Risos)
Luís Carlos: Desculpa Jorge, só uma coisinha. Aí você acha condenável, ou pelo menos tolo, fazer um livro chamado Larápio na atual conjuntura.

JM: Não, não, ao contrário, aí tudo fica mais claro, o larápio é bem claramente larápio.
CV: O modernismo estabelece uma relação de deslumbramento com a tecnologia, que aparecia como regeneradora da humanidade e da Terra. O nome da nossa revista é tecnoGaia, então a gente fala Terra Gaia. Já o pós-modernismo, após as tragédias do século tecnológico, que Eric Hobsbaum chama de era dos extremos, com seus milhares de mortos, vítimas dos avanços técnicos, demonstrados nas grandes guerras, culminando em Hiroshima e Nagasaki, passam a ter uma relação de descrença no futuro da humanidade, e da Terra, Gaia. Como se insere nesse dilema o seu conceito de Kaos com k, presença constante em sua obra?
JM: Eu acho que de novo é a amálgama, ou a simultaneidade. É aquele livro do Heidegger sobre o Parmênides, que dizia que tudo era parado, e Heráclito, que diz que tudo se movimenta, ambos dizem a mesma coisa. Então, um trilho meu é ecologia. Admiro as plantas, os animais, tudo, através do taoísmo, do tai chi. Mas ao mesmo tempo o outro trilho é futurista. Por exemplo: minha obra é acintosamente futurista, sempre fui a favor de qualquer e toda experiência científica. Sem limites, sem fronteiras. Ainda mais agora, que nós estamos na alvorada da maior reviravolta da história humana, através do mapeamento do genoma, da nanotecnologia e dos auto-replicantes, que vão dar energia infinita. Vamos reconstruir o ser humano, um ser sem doenças, com longevidade, um tempo de vida indeterminado. É Jean Paul Sartre, a conquista da morte e a conquista das estrelas. Nós vamos iniciar esse patamar agora, nos próximos trinta anos. Minha obra sempre foi muito isso, misturada um pouco com science fiction. Mas eu acho que todas as visões da science fiction são pessimistas, porque elas são baseadas, é claro, na realidade de hoje com projeções apenas. Mas será o admirável mundo novo. Um novo sistema nervoso, sobre o qual eu falo sempre, é isso aí.
Cláudio Carvalho: Você tocou no admirável mundo novo, e isso me dá oportunidade de falar, o Admirável Mundo Novo de Huxley é insuportável.
JM: Mas você sabe que ele escreveu o Admirável Mundo Novo revisitado, no qual ele aprova tudo…
CC: 1984, também…
Nelson Jacobina: A ficção científica sempre está falando do momento presente.

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