De Noel a Joel – parte 4

A letra inverte a situação, e o chefe de polícia aparece gozosamente avisando onde e quando tem uma roleta “para se jogar”.

“Pelo telefone” foi transformado em espetáculo e encenado no teatro com o mesmo título por Henrique Junior; estreou em 7 de agosto de 1917, no Teatro Carlos Gomes, e ficou menos de uma semana em cartaz.

Gilberto Gil, no CD Quanta, de 1997 (80 anos depois), lançou o seu samba contemporâneo “Pela internet” (Warner Music 063013033-2), brincando com a letra:
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na Praça Onze tem um videopôquer para se jogar

Gil alegou que, na época de Donga, o telefone era uma novidade na cidade, assim como o celular e a Internet, no País, na época em que ele compôs o seu samba.

Sílvio Caldas causou grande sensação (dizem que comparável, à época, ao frisson provocado por “Chega de saudade”, com João Gilberto), ao gravar o delicioso e serelepe samba “Minha palhoça”, de J. Cascata, em 1935, clima que vai ser revisitado em “Juraci” (de Antônio de Almeida e Ciro de Souza), samba-choro gravado em 1941 por Vassourinha, e ainda “Só vendo que beleza” (de Rubens Campos e Henricão, conhecida também como “Marambaia”, gravada por Carmem Costa em 1942, e depois regravada com grande sucesso por Elis Regina, em 1980, no álbum Saudade do Brasil).

Em 1964, Jorge Veiga também causou sensação no Carnaval com o “Bigorrilho”, de Paquito, Romeu Gentil e Sebastião Gomes, malicioso samba-coco, que, assim como “Bolim-bolacho”, mistura o samba com elementos da embolada.
Lá em casa tinha um bigorrilho
Bigorrilho fazia mingau
Bigorrilho foi quem me ensinou
A tirar o cavaco do pau

Trepa Antônio
O siri tá no pau
Eu também sei tirar
O cavaco do pau

Como pode se misturar o samba com a embolada, ritmo nordestino, ligado aos desafios inprovisados entre cantadores?
O LP que reúne algumas matrizes originais de Noel Rosa, Publicações do Museu da Imagem e do Som – A Música Popular no Rio de Janeiro, v. 2, identifica sua primeira gravação como sendo “Minha viola”, de agosto de 1930, e que é uma embolada . A caixa com 14 CDs, intitulada Noel Rosa pela primeira vez, do ano 2000, produzida pela gravadora Velas, traz “Minha viola” como terceira gravação, antes dela vindo “Ingênua”, interpretação e parceria com Glauco Vianna e “Festa no céu”, de Noel, sem parceria, e com ele. O gênio de Vila Isabel e da Penha foi, antes de se tornar famoso como sambista, integrante do grupo “regional” O Bando de Tangarás, que, aliás, gravou uma música de Noel, “Lataria”, parceria dele com os outros “passarinhos”: Almirante e João de Barro.
Noel sozinho compôs e gravou, em 1933, “Quando o samba acabou”, e depois escreveu “Mardade de cabocla” (gravada por José Souza Pinto “Alegria”), que é o remake no primeiro, com outra letra e outra música, uma toada sertaneja que fez a versão interiorana do mesmo drama que o samba de 1933 desenhou.

Noel fez de tudo, além de ter sido um dos grandes inventores do samba, suas 229 canções incluem música sertaneja, “fossenta” (a coleção com 14 CDs Noel Rosa pela primeira vez, que traz todas as gravações originais de sua música, além desse fato, está citando sua parceria com Christovam de Alencar, na qual o eu lírico assiste a partida da amada na estação de trem, e que também é retomada em “A estátua da paciência”, com Jerônimo Cabral, que só foi gravada em 1983!), chorinho (com o título “Choro”, só de Noel, gravado em 1983 pelo Conjunto Coisas Nossas), sambas-maxixe no estilo de Sinhô (como “Com mulher não quero mais nada”, parceria com Sílvio Pinto) e a delicada e hipersensível “Não morre tão cedo”, que só foi gravada em 1992, por Vânia Bastos na voz e Eduardo Gudin no violão, e que é como um samba bossa nova atual, genial, com sabor de Noel e uma sabedoria de homem mais que maduro, e na qual parece que ele estava falando dele mesmo, sem querer.

É cruel ver tantas obras primas que quase caíram no esquecimento, e só foram registradas em disco nos anos 80 e 90.

Cabe aqui uma homenagem especial ao Conjunto Coisas Nossas, formado em 1975,que foi um dos grandes responsáveis por sempre trazer novas canções ou novas versões de Noel, com uma qualidade impecável, e que, em 1983, gravou o LP Noel Rosa inédito e desconhecido, pela gravadora Eldorado, no qual utilizam até mesmo a originalíssima percussão do lápis batido no dente, que Noel experimentalista inventou, em “O gago apaixonado”, e que Beto Cazes performou em “Estátua da paciência” (e ainda: Aluiosio Didier no piano, Caola (Carlos Didier) violão e voz, Henrique Cazes banjo, Luiz Carlos Campos Marques violino, Netinho Clarinete, Orcar Botão (Oscar Luiz Werneck Pellon) bateria e Zênio de Alencar tuba).

Leave a comment