De Noel a Joel – parte 1

DE NOEL A JOEL
Luis Carlos de Morais Jr.

O uso do chapéu de palha como instrumento percussivo teve em Joel, da dupla Joel e Gaúcho, outra grande contribuição. E ainda: vemos que foi Joel quem, como diretor artistico da gravadora Polydor, resolveu lançar, em 1959, o primeiro disco de Roberto Carlos, para competir com João Gilberto. Note-se que do mesmo ano é o 78 rpm de João “Desafinado”/“Hô-ba-lá-lá” e o LP Chega de saudade.

O samba sincopado de Geraldo Pereira ainda fomentou o samba de breque (que viria de “break”, do inglês, no sentido de freio de carro, e que, segundo Tárik de Souza, é uma variante do samba-choro), em boa parte criação de Moreira da Silva, realizado ainda com talento por Jorge Veiga, Ciro Monteiro, Dilermando Pinheiro, o Gato Malandro e Germano Mathias.

O samba de breque foi incomparável com Moreira da Silva.

Quando ele estava com setenta e tantos anos, fez uma excursão com Jards Macalé, grande reeditor do gênero (gravando inclusive o CD Jards Macalé Canta Moreira Da Silva, 2001, Lua Music)
E o samba de breque continua, por exemplo, vai ser continuado com talento e originalidade por Marcos Sacramento, Soraya Ravenle e Luis Filipe de Lima (ver o CD Breque Moderno, Rod Digital, 2010).
Mineiro também era Ataulfo Alves (nascido a 2 de maio de 1909, em Miraí, no distrito de Cataguases, na região cafeeira da Zona da Mata), antigo filho de pai repentista e violeiro, que se tornou um dos grandes do samba, considerado como o maior compositor brasileiro, por Ary Barroso, na enquete realizada por Paulo Mendes Campos para a Revista de Música Popular, na década de 1950. Autor de clássicos, como “Ai, que saudades da Amélia” (com letra do ator e poeta Mário Lago, com quem ainda fez “Atire a primeira pedra”), “Mulata Assanhada”, “Errei sim”, “Bonde de São Januário” (com Wilson Batista, assim como “Eu não sou daqui”), “É um quê que a gente tem” (com Joaquim Homem), “Leva meu samba”, “Dia final”, “Na cadência do samba” (com Paulo Gesta e Matilde Chagas), “Você passa, eu acho graça” (com Carlos Eduardo, o primeiro sucesso na gravação original de Clara Nunes) etc.

Ele foi o fundador, junto com Bide, Ismael Silva, Brancura e Baiaco, no ano de 1928, da primeira escola de samba, a Deixa Falar, no Morro de São Carlos, que fica no Estácio.

Também fez sucesso se apresentando e gravando com as suas pastoras (a partir de abril de 1944), um conjunto de três ou quatro vozes femininas. O nome vinha dos velhos partoris do Nordeste no Natal e foi incorporado aos ranchos de Carnaval, às moças que cantavam em coro e passaram a se chamar pastoras. Braguinha (como João de Barro) retocou a letra e mudou o título de sua marcha-rancho em parceria com Noel Rosa, de “Linda morena” para “As pastorinhas” (1934), por causa dessas figuras carnavalescas, as moças que acompanhavam os ranchos. O filho de Ataulfo Alves, que se assina com ph, faz agora a sua carreira musical, seguindo a mesma linha do pai.

Outro mineiro que foi fundador do samba brasileiro, Ary Barroso, autor desse hino nacional alternativo conhecido no mundo todo, que é “Aquarela do Brasil” (1939), nasceu em Ubá, em 1903. Sua aquarela foi o primeiro samba-exaltação, cujo estilo marcou profundamente os sambas-enredo das escolas de samba.

Por exemplo, Silas de Oliveira (Rio de Janeiro, 1916-1972), em 1964, compôs para a escola de samba Império Serrano “Aquarela Brasileira” (este foi o primeiro título da composição do mineiro). Silas fez 16 sambas-enredo para sua escola, dos quais 14 foram defendidos nos desfiles oficiais.

Assim como Silas tomou como base as intenções explícitas da canção de Ary, Cazuza fez em “Brasil” (samba-rock compost em 1987, e gravado no LP Ideologia, Polygram, 1988) um antissamba exaltação, uma anti-Aquarela do Brasil.

Ary se formou em Direito e foi colega de Mário Reis na faculdade, que dele gravou “Vou à Penha” e “Vamos deixar de intimidades”, seu primeiro sucesso popular. Ganhou diploma da Academia de Ciências e Artes de Hollywood pela trilha sonora de Você já foi à Bahia?, de Walt Disney (o desenho com o Zé Carioca), e é o autor, dentre outras canções, de “Boneca de piche”, “Os quindins de yayá” e “O tabuleiro da baiana”, Ary morava no Rio de Janeiro, e nunca foi à Bahia.

Voltando à questão das origens, o samba da Bahia era aglutinante e agregado, e tinha uma percussão leve e caseira, marcada pelas colheres esfregadas nos pratos, pandeiros, e, principalmente, pelas batidas das palmãos das mãos. O maxixe do Rio de Janeiro se encontrava com o lundu e o jongo, e era bem mais pesado, apresentando uma percussão de atabaques e tambores, que depois foi crescendo e se enriquecendo, com a criatividade dos compositores e instrumentistas, e gerou nosso samba brasileiro, em suas várias formas, além do choro e, depois, das misturas que daí vieram.

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