A luta do século

Luis Carlos de Morais Junior
Sorrelfo estava animado, gritava igual a um garoto, se enchendo de pipoca e ketchup pela cara, cerveja na roupa, não dava pra ver, ninguém ali via ou ouvia alguma outra coisa, que não fosse a sensacional luta do ringue.

Todos ali (no planeta e nas colônias, o evento sendo transmitido via satélite em tempo real até para as colônias La Luna, Martis, Vênus, Calisto, Europa e da estação Giro no Espaço, Vernópolis, Vinciópoli, Dumontópolis e Nova Atlântida, na Antártica) já tinham visto de tudo, boxe contra kung fu, homem contra mulher (uma supermulher, que, aliás, ganhou), anões contra mutantes, gigantes contra xifópagos etc. etc.

Depois vieram as lutas de robôs. E as lutas de ciborgues entre si (que eram parte gente, parte robô).
Hoje estava pra começar a Primeira Grande Luta do Robô contra o Ciborgue, e parecia que os Omniversos inteiros estavam em polvorosa.
Gente vinha de outras dimensões e realidades; por algum motivo, não esclarecido por eles, esse tipo de luta era desconhecido ou proibido em várias Terras alternativas.
Mas, mesmo assim, ou, por causa mesmo disso, eles pareciam ávidos para ver o que iria acontecer.

Não havia previsão de qual seria o resultado.

Os robôs pensavam rápidos e eram superfortes.

Mas os ciborgs aliavam essa força e a computação de processos de resposta (como um arcoreflexo robótico nas peças implantadas, não dependente da sinapse humana) com a imprevisibilidade humana.
Há três séculos se pesquisava a inteligência artificial, oficialmente como um modelo informático para o maior entendimento dos processos de funcionamento da inteligência espontânea bioneural.
Mas, cada vez mais, a cada dia com mais clareza, vinha nas pessoas uma gana de arrumar um companheiro, pois homens virtuais e paralelos eram homens ainda assim, e, mesmo com o Nexo Temporal aberto, não havia ainda chegado até nós nenhuma outra inteligência não humana.

Criar a genuína IA independente e autônoma total era o fundo irrealizado do desejo das pessoas.

Que se exercitava das formas mais loucas, desde pedidos de composições musicais e desafios de xadrez, até toda uma erótica e sentimental entre homens e robôs.

Sempre frustrante, de novo, o que parecia a relação mais simples, infalível, falhava por todos os lados.

Parecia que a imperfeição humana era mega imperfeita, uma anomalia universal, nenhum outro animal é tão imbecil, e tão genial, ao mesmo tempo, e pelas mesmas razões. E, mesmo nas razões do coração, sempre batia de lavada os pobres robôs, com seus zilhões de circuitos e músculos de poliéster, que, de novo, teoricamente, teriam tudo pra agradar, e só.

Mas talvez fosse justamente essa sensação de solidão que os robôs acentuavam ao invés de atenuar.

Havia algo de sentimento de vingança no gosto de sangue na boca com que foram ver o ciborg humano (mente humana, carne humana, entranhas humanas, cercadas por um corpo blindado de metal, que reagia de forma humana, demasiadamente humana).

Havia cuspe, sangue na saliva, automordidas, alteromordidas, empurrões, socos e bofetões, na plateia, feliz, alegre, berrando, todos cientistas, políticos, professores, advogados, médicos, doutores, programadores, maketingmen etc, todos virados em bestas, pela alegria do saber sabor saburroso de ver o homemáquina vencer e humilhar a máquina pura e simples, silício só.

E a luta começou.

Urros de alegria, de vitória antecipada.

Que duraram exatos quinze segundos, depois dos quais, o silêncio foi tão total, como o caminho do tao.

Ficaram muitos minutos parados, sem acreditar, sem saber o que fazer.

Quase uma hora depois saíam em silêncio, para nunca mais voltar.

Tudo, tudo, tudo perdera a graça.

E nunca mais ia rolar.

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