Crônica

A crônica é um gênero injustiçado.

A obra ficcional, poética, teatral e ensaística de um autor chamam a atenção e despertam o interesse, já as suas crônicas aparecem como satélites de importância menor.

É claro que alguns escritores são eminentemente cronistas, clássicos nos quais o que se admira é justamente este tipo de produto; no entanto são raros e parecem figurar em um limbo à parte, dedicado aos escritores menores, quase como se fossem os fazedores de trova da prosa. E não são comuns os grandes desta literatura menor.

Todo jornal, a cada dia, ostenta no mínimo uma crônica, que quase sempre se faz mais descartável que as notícias e o papel em que se imprime, pois não serve para ser relida, nem embrulhar algo, calço de mesa, avivar fogueira, se limpar.

Os melhores escritores não dedicam seu esforço à produção de crônicas, a não ser quando premidos por necessidade profissional, que pode aparecer na forma de um providencial contrato com algum órgão da comunicação que o queira. Quando seus textos se destacam e perduram, aí então ele mesmo ou algum estudioso devotado reúne uns tantos escolhidos em volume que vai figurar como lanterninha em sua obra, quase que amostra do que é aquele escritor na imprensa.

Faróis são outros gêneros.

Não obstante, a crônica é talvez aquele com maiores potencialidades ainda a explorar e um dos mais contundentes, seja pela sua brevidade essencial, seja pela sua também natural ligação com o tempo, com aquilo que se faz sentir hoje, aqui e agora, uma sensação ou ideia crônica, que se estende na duração (mais ou menos), e trata do que é temporal, se relaciona com ele. Além dessa sua característica tópica e intensiva, a crônica tem outra idiossincrasia única e muito preciosa: ela não tem estrutura, formal, modal ou conteudística, isto quer dizer que a crônica pode ser maior ou menor (para isso têm o computador diferentes tamanhos de fonte e a paginação do periódico os seus truques), toda feita de frases soltas, de parágrafos, de um bloco só, de versos e o que mais se quiser, ninguém estranha.

Ela pode ser escrita em prosa, como narrativa ou não, em prosa poética, em versos, em letra de canção, em forma de diálogo, filosófico ou teatral ou outro, como ensaio, desabafo, página de diário, carta, anúncio comercial, crítica, teoria, pedagógica, à vontade do freguês (que no caso é o escritor, o qual, dentro de uma crônica, tem sempre razão).

É muito difícil aclarar e delimitar bem a classificação literária, porém certos parâmetros definem mais ou menos o que é um conto, uma novela, um romance, uma biografia, um ensaio, um poema, uma reportagem, e por aí vai.

Só a crônica pode tranquilamente, com o beneplácito dos leitores mais conservadores ou velozes, mudar de cara, ser o que quiser, sem precisar pedir licença nem desculpas, sem explicar nada a ninguém, e sem que isso lhe seja exigido; ao contrário, o esperado é mesmo que ela seja leve, plural, variável, quase que insignificante.

As únicas condições fundamentais para a feitura de uma crônica são que ela seja pequena e tenha o potencial de despertar interesse imediato em quem a lê. E mesmo estas exigências são bem toleráveis, uma reforça a outra, e ambas tornam o texto tão agradável de fazer quanto de ler.

As crônicas são pequenos pacotes de emoção, de sensação e de pensamento, sua pequeneza é quantitativa, o que é um luxo, pois a concentração qualitativa torna-a muito mais eficaz na constituição da imagem (no sentido bergsoniano, matéria) que procura produzir.

Luis Carlos de Morais Junior

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