Texto da Semana

Luis Carlos de Morais Junior e Eliane Colchete mostram poemas e textos ficcionais, ensaísticos ou de comentário sobre a sociedade e o mundo atual, e de todos os tempos. Aqui podemos ver trechos de livros já publicados ou inéditos, bem como obras em progresso, que eles estão escrevendo.

NELSON, AMADO, E O POVO MAIS QUE AMADO DO BRASIL

O nosso país se formou como o lugar de encontro de culturas e etnias, vários povos vieram se encontrar nos trópicos, e se fundiram, às vezes a duras penas, às vezes com encanto e carinho; mas, o certo é que se fundiram, e hoje a nossa nação e a nossa gente são o resultado dessa amálgama de lutas e amor.

Devemos nos orgulhar de nossas raízes, como prega Ariano Suassuna, nossos lados índio, negro e português são igualmente lindos e inteligentes, e parte importante do mecanismo de inferiorização de nossa pátria pelo neocolonialismo e pela globalização consumista se faz através da autodepreciação e do autopreconceito, o qual, indevidamente, obriga muitos brasileiros a considerarem menores suas fontes ancestrais.

Foi uma luta durante toda a era contemporânea para acabar com esses preconceitos, e a própria visão autodepreciativa dos povos mestiços, como nós.

Nessa luta, parte substancial foi feita por escritores e poetas, os quais, entre outros pensadores, como cientistas sociais, historiadores e filósofos, fizeram, principalmente ao longo do século XX, um lento, ciclópico e corajoso trabalho duplo: de um lado, destruir a visão preconceituosa, que tenta alijar algum ser humano como sendo inferior, apenas pelo tom da sua pele e pelas suas características culturais; de outro lado, construir a nossa identidade brasileira, que só será grande e verdadeira quando conseguir entender a grandeza de seus progenitores, a valorizar a todos, por igual: negros, portugueses e índios.

No campo da literatura, mesmo nesse campo, tão combativo e arrojado, o romantismo foi tímido por demais, assim como quase não foram além o realismo, o naturalismo, e até a primeira geração modernista. Engulo sempre com dificuldade que o protagonista do famoso romance-rapsódia de Mário de Andrade, Macunaíma, que nasceu índio e negro, tenha que virar “príncipe louro de olhos azuis” para ser atraente para a cunhada, ou para poder ser o “nosso herói”, e ficar o livro todo livre para explorar, usar e diminuir seus irmãos, o índio e o negro.

É com a chegada de novos modernistas, a partir da segunda geração, que vemos a luta ficar mais clara, e o lado ser escolhido com mais decisão, o nosso lado, o lado mestiço.

Os romances de Jorge Amado, considerando o todo de sua obra, são comoventes pela mestria e dedicação com que vão criando seus heróis, marcados pela coragem, a beleza, a força, a nobreza, a grandeza e a sedução, sendo, quase todos eles, negros e mulatos, mulatas e negras.

De outro lado, a metralhadora giratória de Nelson Rodrigues, com seu teatro que tem mais de revolucionário social do que de psicanalítico, seu humor negro (e aqui devemos sublinhar o perigo dos lugares comuns, tantas vezes politicamente incorretos) e o seu eterno prazer de colocar o dedo na ferida, expondo todo o racismo da sociedade de seu tempo, e a incorporação dele pelo seu próprio objeto, como nessa obra prima, a peça intitulada “O Anjo Negro”.

Esses dois autores são fundamentais para a construção da ideia de nação livre e mestiça que o Brasil é, e que precisa responder à atual demanda para que discutamos e pensemos cada vez mais sobre a educação voltada para as relações étnico-raciais, em nossa sociedade.