Luis Carlos de Morais Junior e Eliane Colchete mostram poemas e textos ficcionais, ensaísticos ou de comentário sobre a sociedade e o mundo atual, e de todos os tempos. Aqui podemos ver trechos de livros já publicados ou inéditos, bem como obras em progresso, que eles estão escrevendo.
Texto da Semana
O ESTUDANTE DO CORAÇÃO
O cinema falado
É o grande culpado
Da transformação
(Noel Rosa[1])
[1] ROSA, Noel. “Não Tem Tradução”, inAraci de Almeida Interpreta Noel Rosa, lp Phonodisc 034405233, 1971.
A afirmação de um espaço nosso em Noel Rosa nos remete a um espaço de tempo, muito mais do que a uma nação ou bairro. E se é a uma cidade que ele se refere, esta é sinônimo do século XX, não se limita por latitudes e longitudes geográficas. Poder-se-ia falar em coordenadas espaciais de intensidade. Letras para sambas, poesia popular, os poemas de Noel têm muito mais do que se pensaria normalmente à primeira vista ou audição.
Sua obra, que começa a se fazer ouvir no rádio a partir de 1929, foi precursora da “bossa” da década de 30, que misturava o samba dos morros cariocas com elementos poéticos e melódicos dos bairros de classe média do Rio de Janeiro[1], algo que seria radicalizado com a “bossa-nova” que surgiu na década de 50, fundindo elementos clássicos, jazzísticos, ritmos brasileiros e poesia de qualidade.
Noel vinha de classe média e trazia uma enorme sofisticação para as letras (e para o modo de cantar, Noel Rosa enquanto cantor e Mário Reis, além de Orlando Silva, são os precursores e mestres de João Gilberto) da época (verdadeiros poemas modernistas foram por ele escritos, por exemplo, “São Coisas Nossas”: “E o bonde que parece uma carroça/Coisa nossa/Muito nossa”, que pode ser comparada com “Pobre Alimária” de Oswald de Andrade, via leitura de “A Carroça, o Bonde e o Poeta Modernista” de Roberto Schwarz[2]), fez parceria com Vadico, que trazia elementos melódicos e harmônicos inovadores, com Ismael Silva (do morro do Estácio), com Cartola (da favela de Mangueira, onde, aliás, Heitor Villa-Lobos desenvolveu com Cartola um projeto de coral infantil, cujos ensaios eram frequentados por Noel) e com Lamartine Babo, entre outros.
Sua poesia está na linha limite sobre o trilho que divide dois países ambos chamados Brasil, um virtual país potente e rico, um imaginário país do jeitinho, da malandragem e da cordialidade. Entre os dois, sobre o fio da navalha, um equilibrista que é poeta, malandro, brasileiro, que não é nada disso, é só um homem comum. E que, de comum, só tem, é claro, o nome.
Um tom coloquial sempre presente, a paródia, mesmo que muito disfaraçada (como da melodia do Hino Nacional em “Com que roupa?”), a mistura de gêneros, humoristicamente parodiados, como a aula de medicina em “Coração”, carta em “Cordiais saudações”, conversa de botequim na canção de mesmo nome etc. Imita poeticamente a fala de um “Gago apaixonado”. Visita o humor com muita altivez e perseverança, sempre extrapolando, indo para a crítica e o lírico com a mesma força e com o mesmo movimento, quer dizer, no mesmo verso, na mesma frase.
É sabido que Noel não fazia a menor questão de disfarçar os elementos biográficos de suas músicas, como a paixão avassaladora e não correspondida por Ceci, o seu amor aos bairros da Penha e de Vila Isabel e todas as suas inadequações, tão citadas nas letras (como a fraqueza física, em “Tarzã, o filho do alfaiate”).
E ele fez isso de uma forma inovadora, com traços modernistas, rindo sempre de si mesmo, tanto quanto ria dos outros, afirmando a vida e a forma como a vida se dá para ele.
O modernismo (ou contemporaneidade ou pós-modernismo[3]) das letras dos sambas de Noel traz um urbanismo humorístico e anti-humanístico, e faz uma utopia em negativo sobre a cidade brasílica: arquitetura de cristal do tempo.
Sem ódio, sem rancor, sem paixões tristes[4], cantar com serenidade sentimentos sutis, esquivos, finos, erradios como pássaros, plumas, bolhas de sabão.
A cidade de Noel não é a dura e pesada cidade das fábricas, dos dias chapados de luz, dos carros metálicos e dos concretos edifícios.
A cidade de Noel é outra: é a cidade fantasma que surge mágica como duplo nas brumas invisíveis da megalópolis, que é um rio de vagas sensações, de vagabundos filosóficos e finas zombarias.
Pelo menos um desses homens ao ouvir o apito da fábrica não se levanta para ir trabalhar, mas senta-se à mesa de um bar, e escreve uma canção.
Noel Rosa nasceu no Rio de Janeiro, Vila Isabel, em 11/12/1910, filho de Manuel Medeiros Rosa, gerente de camisaria, e da professora Marta de Azevedo.
Sempre morou na mesma casa da rua Teodoro da Silva, no número em que depois se construiu um prédio com seu nome.
Seu nascimento foi a fórceps, que causou fratura e afundamento do maxilar e paralisia na face direita, os quais operou aos seis e reoperou aos doze anos de idade.
Quando o pai foi trabalhar como agrimensor de uma fazenda de café, a sua mãe abriu uma escola em casa, e sustentava os dois filhos, Noel e Hélio, o mais novo nascido em 1914.
Noel estudou no Colégio Maisonnete, depois no São Bento, onde ficou até 1928, onde os colegas o chamavam de Queixinho.
Casou-se com Lidaura, que estava grávida, em 1934, mas ela perderia o filho.
Noel era boêmio e mulherengo, e, no início de 1935, tuberculoso, viajou com a mulher para se tratar em Belo Horizonte, onde se hospedou na casa de uma tia. Mesmo lá Noel frequentava a boêmia da cidade, e se apresentou na Rádio Mineira. Nesse ano recebe a notícia do suicídio do pai, que se enforcou na casa de saúde onde tratava os nervos.
Noel volta ao Rio de Janeiro, e em 1936, vai a Nova Friburgo, onde também bebia e cantava. No mesmo ano vai para Barra do Piraí. Após uma semana, visitou, no dia 1 de maio, a represa de Ribeirão das Lajes e começou a sentir arrepios e a passar mal. Retornou à pensão com febre.
Durante a noite sofreu uma grave crise de hemoptise e o médico que o atendeu advertiu que não havia recursos para tratar dele naquela cidade. Na manhã de 2 de maio, voltou ao Rio com Lindaura, às pressas, num táxi, em estado muito grave, do qual não conseguiria se recuperar. Ao longo de dois dias recebeu visitas de muitos amigos, entre os quais Marília Baptista e Orestes Barbosa, que procuraram animá-lo.
Morreu na noite do dia 04 de maio, enquanto em frente à sua casa comemoravam o aniversário de uma vizinha numa festa em que tocavam suas músicas.[5]
Noel Rosa criou um paradigma de compositor/letrista/intérprete inteligente, debochado, sofisticado, sofístico, popular.
Reencontramos este afã de não ter afã, este apegar-se sem apego à urbe e às suas malhas e telas, devir de água-viva que busca a linha de mínima resistência atingindo no devir-água quase sem esforço o seu objetivo, remando contra a corrente, rindo de si e dos outros, o poeta malandro que faz a pedra preciosa impossível, pisando em sombras, correndo sobre a lâmina, em Chico Buarque cantando “Sambando na Lama”[6].
Às vezes o malandro passa mal: mas sempre fino, não se queixa, nem se rende ao ideário do capital, pois os trabalhadores não estão melhor que ele, e, mesmo o guarda que o oprime, está com o salário atrasado.[7]
Alguém que, numa terra de machões, se confessa “Tarzã, o Filho do Alfaiate”:
Quem foi que disse que eu era forte
Nunca pratiquei esporte
Nem conheço futebol
O meu parceiro sempre foi o travesseiro
E eu passo o ano inteiro
Sem ver um raio de sol
A minha força bruta reside
Em um clássico cabide
Já cansado de sofrer
Minha armadura é de casimira dura
Que me dá musculatura
Mas que pesa e faz doer[8]
Surge uma nova perspectiva da relação mulher/homem, anti-machista e não feminista, na letra de “Você vai se quiser”, onde aparentemente deixar a mulher trabalhar seria permitido a contragosto, mas logo se vê que seria o contrário, contragosto se ela não trabalhar, pois “por causa dos palhaços/Ela esquece que tem braços”.[9]twO machismo não vem só, vai mal acompanhado.
Contra um pensamento rígido que não é pensamento nenhum, é ordem, é obediência.
Ao lado do programa obediente do machismo, o racismo, os preconceitos de classe e o nacionalismo.
Um de nossos autores de maior brasilidade, Noel Rosa se mostra tão pouco ufanista e chovinista quanto poderia ser um artificialista nômade, em sua crítica prévia aos mistos da ordem, progresso, modernidade e nação. Vejamos o ridículo a que nosso autor expõe as teorias de August Comte e os nacionalistas à época influenciados pelo positivismo (que fomentou a proclamação da república e deu o lema que figura na bandeira):
Mas a verdade meu amor mora num poço
E é Pilatos lá na Bíblia quem nos diz
E também faleceu por ter pescoço o infeliz
Autor da guilhotina de Paris
Vai coração que não vibra
Com seu juro exorbitante
Transformar mais uma libra
Em dívida flutuante
Mas o amor vem por princípio a ordem por base
E o progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim
Vai orgulhosa querida
Mas aprende esta lição
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração
Mas a intriga nasce de um café pequeno
Que a gente toma só pra ver quem vai pagar
Foi pra não sentir mais o seu veneno
Que eu já resolvi me envenenar[10]
Nas segunda e quarta estrofes o eu lírico reage tragicamente, aceitando a partida da amada, que não foi “positivista”, desprezando as leis de Comte e abandonando o amado, que lhe diz: vai. As primeira, terceira e quinta estrofes iniciam com a conjunção adversativa, que, no início da frase, ainda indica relação com a ideia anterior. O poema abre com um “mas” universal, em relação a tudo, não importam as leis, sempre há um porém.
Contra a ideia de progresso, e numa leitura bastante crítica da nossa realidade à sua época, aproximamos um poema de Oswald de Andrade de uma letra de Noel Rosa, que tratam ambos do desvio do trilho do nosso progresso, a partir, nos dois casos, da aproximação crítica do par bonde e carroça.
Oswald:
pobre alimária
O cavalo e a carroça
Estavam atravancados no trilho
E como o motorneiro se impacientasse
Porque levava os advogados para os escritórios
Desatravancaram o veículos
E o animal disparou
Mas o lesto carroceiro
Trepou na boleia
E castigou o fugitivo atrelado
Com um grandioso chicote[11]
Noel:
Baleiro, jornalista, motorista,
Condutor e passageiro
Prestanista e vigarista
E o bonde que parece uma carroça
Coisa nossa
Coisa nossa
O samba a prontidão e outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas[12]
Nos dois casos, a “dialética” do bonde e da carroça não produz nenhuma síntese, antes, pelo contrário, abre-se em várias séries divergentes, milhares de picadas, veredas; não há solução, há contradição na essência, paradoxo.
A um certo momento de A Arqueologia do Saber, Michel Foucault afirma:
Ao fim desse trabalho, permanecem somente contradições residuais – acidentes, faltas, falhas – ou surge, ao contrário, como se toda a análise a isso tivesse conduzido, em surdina e apesar dela, a contradição fundamental: emprego, na própria origem do sistema, de postulados incompatíveis, entrecruzamento de influências que não se podem conciliar, difração primeira do desejo, conflito econômico e político que opõe uma sociedade a si mesma; tudo isso, ao invés de aparecer como elementos superficiais que é preciso reduzir, se revela finalmente como princípio organizador, como lei fundadora e secreta que justifica todas as contradições menores e lhes dá um fundamento sólido: modelo, em suma, de todas as outras oposições.Tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe de ser aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere, enfim, sua verdade aberta, constitui a própria lei de sua existência: é a partir dela que ele emerge; é ao mesmo tempo para traduzi-la e superá-la que ele se põe a falar; é para fugir dela, enquanto ela renasce sem cessar através dele, que ele continua e recomeça indefinidamente, é por ela estar sempre aquém dele e por ele jamais poder contorná-la inteiramente, que ele muda, se metamorfoseia, escapa de si mesmo em sua própria continuidade. A contradição funciona, então, ao longo do discurso, como o princípio de sua historicidade.[13]
O texto é claro, um discurso não se entende pela sua linha mestra de sentido, por sua coerente interpretação “oficial”. São os deslizamentos do discurso que produzem sentidos, e uma positividade absoluta do saber corre o risco de gerar a entropia total, oriunda de um equívoco permanente. A cada contexto, a cada mínima mudança de contexto, os discursos mudam de sentido – e o papel da arqueologia é interpretar, não o sentido do texto, ele não tem nenhum, mas essas mínimas flutuações, que, como o efeito borboleta da física do caos, vão, ao longo da linha, crescendo cada vez mais de influência, gerando tempestades mais além. Os deslizamentos de sentido são como a bola de neve, que vai crescendo sem parar enquanto rola, enquanto que ela é o puro movimento impulsivo, o rolar, o vetor montanha abaixo. Os deslocamentos de um texto no contexto histórico são como os deslizamentos de terra nos morros com favelas do Rio de Janeiro, produzindo vítimas e beneficiados, alterando caleidoscopicamente a paisagem.
O que é uma água-viva? É uma água viva – isto é, um biós que muda e devém com a água, no seu ritmo e variações. Há uma ilusão cognitiva, que se torna perceptiva no homem, e que o leva a ver fixidez no vivo, enquanto este é puro fluir, pura mutação, no sentido em Tales de Mileto disse (ao inaugurar o ocidente e a filosofia) que tudo era água, ou Heráclito de Éfeso afirmando que tudo é “fogo eterno vivo”[14].
A nossa necessidade de domínio físico sobre outros seres vivos (da mesma ou de outra espécie), nossa necessidade animal de poder reconhecer neles perigo ou interesse, nosso utilitarismo, em suma, recusa a “essência” fluente das coisas, a essência do devir, permita-se o paradoxo.
Como descreve Bergson em Introdução à Metafísica, observar de um ponto de vista um movimento relativo a algo que se move ou não é um saber parcial, imperfeito; porém, penetrar na essência do movimento mesmo, é um saber absoluto, perfeito[15].
Portanto, permita-se o paradoxo – que é a potencializaçào do pensamento, onde o que é não é e o que não é é.
O paradoxo não é um mero artifício lógico, nem um truque de linguagem, ele é a própria forma da vida, o tempo liberado dos recortes humanos, das fitas que o ser humano tem feito através da história.
Errância versus essência.
É o tempo puro, de que fala Bergson, o tempo complicado, em estado de caos, ou melhor, de caosmos. Se eu passo a conhecer alguém a partir de um determinado momento, no tempo puro eu não o conheço (no passado), já o conheço (no presente) e o conheço há tempo (no futuro) – tudo isto simultaneamente.
Ou o exemplo de Alice, personagem de Lewis Carroll agenciado por Deleuze à lógica estóica[16]: no instante em que ela cresce ela se torna maior e menor ao mesmo tempo; maior do que era antes, menor do que se torna.
A cidade, por maior que ela seja, é para os homens uma aldeia medieval, onde eles encontram suas hierarquias, suas ordens, seu bom senso e seu senso comum (cada um faz um recorte de aldeia dentro da cidade, conhece o número de pessoas correspondente ao que seria seu círculo em uma tribo ou cidade do interior).
A poesia, às vezes, aparece, trazendo o redemoinho do desconhecido para dentro da cidade – de um lado a abstração reguladora da multidão (robótica, que se move e pensa igual), de outro o tumulto da multiplicidade (fluxos tubilhonares, movimentos aberrantes, errância de partículas).
Há um germe de caos no malandro criado por Noel, que, sentado em uma cena cotidiana e automática de bar, paralisa o garçom e interrompe o sistema, com a simultaneidade dos pedidos absurdos e intermináveis, e sem, na verdade, estar pedindo quase nada, sem pagar, sem querer ir embora, sem pressa.
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo um copo d’água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta um tinteiro um envelope e um cartão
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas um isqueiro e um cinzeiro
Telefone ao menos uma vez
Para 344333
E ordene ao Seu Osório
Que me mande um guarda-chuva aqui pro nosso “escritório”
Seu garçom me empreste algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa do cabide ali em frente[17]
O caosmos é a garantia do inesperado, e pensá-lo é o trágico em filosofia, o pensamento da diferença, do caos, do tempestuoso, do intempestivo, da inexistência de qualquer substância.
Segundo Clément Rosset:
/…/ Assim apareceram sucessivamente no horizonte da cultura ocidental pensadores como os Sofistas, como Lucrécio, Montaigne, Pascal ou Nietzsche – e outros. Pensadores terroristas e lógicos do pior: sua preocupação comum e paradoxal é a de conseguir pensar e afirmar o pior. A inquietude aqui mudou de rota: o cuidado não é mais de evitar ou superar um naufrágio filosófico, mas torná-lo certo e inelutável. Se há uma angústia do filósofo terrorista, é a de passar sob silêncio tal aspecto absurdo do sentido admitido ou tal aspecto derrisório do sério vigente, de esquecer uma circunstância agravante, enfim de apresentar do trágico um caráter incompleto e superficial. Assim considerado, o ato de filosofia é por natureza destruidor e desastroso.[18]
Há muitas letras de Noel Rosa que nos falam de algo que poderíamos chamar de lógica do pior, seguindo Rosset.
A apatia filosófica dos estóicos se deve à impossibilidade do pensador determinar qual acontecimento é realmente bom ou mau; a incerteza de qualquer valoração.
Ela também representa a recusa de se deixar escravizar às paixões que arrastam e acorrentam o homem do senso comum, que não tem assim a disponibilidade ou a calma para pensar e viver a plenitude da vida em liberdade.
Noel Rosa alia o trágico à apatia. Vejamos a letra de “Quem Ri Melhor”.
Pobre de quem já sofreu neste mundo
A dor de um amor profundo
Eu vivo bem sem amar a ninguém
Ser infeliz é sofrer por alguém
Zombo de quem sofre assim
Quem me fez chorar hoje chora por mim
Quem ri melhor é quem ri no fim
Felicidade é o vil metal quem dá
Honestidade ninguém sabe onde está
Acaba mal quem é ruim
Pois quem me fez chorar hoje chora por mim
Quem ri melhor é quem ri no fim
Sabendo disso eu não quero rir primeiro
Pois o feitiço vira contra o feiticeiro
Eu vivo bem pensando assim
Pois quem me fez chorar hoje chora por mim
Quem ri melhor é quem ri no fim[19]
Ou ainda “Feitiço da Vila”, onde além de afirmar a produtividade poética como antídoto contra a produção aprisionada nos moldes mercadológicos do capitalismo (“São Paulo dá café/Minas dá leite/E a Vila Isabel dá samba”), o eu lírico se afirma imune a paixões:
Eu sei tudo que faço
Sei por onde passo
Paixão não me aniquila
Mas tenho que dizer
Modéstia à parte meus senhores
Eu sou da Vila[20]
O afeto filosófico ou artístico é o grande agenciamento do poeta-malandro, que, através da estranha ligação da arte com o pensamento, se livra dos laços que normalmente prendem as pessoas, e se liga a um corpo expressivo, que não está sujeito às funções orgânicas.
Malandro que não bebe que não come
Que não abandona o samba
Porque o samba mata a fome[21]
Mesmo diante da morte, o eu lírico não perde sua compostura apática, e, mantendo a dignidade da perda do amor, expressa em seu último desejo a não memória, o não epitáfio (em lugar dele, uma simples fita amarela – cor de alegria, de riqueza – com o nome da amada), o não monumento [22].
Por outro lado, as amadas não tratam o poeta-malandro de modo muito diferente de como ele as trata, e, frequentemente, mesmo se esforçando por ser apático, e não perdendo nunca a elegância da enunciação, sente-se que ele se feriu, diante da diplomacia (duplicidade) da mulher:
Eu não sei bem se chorei no momento em que lia
A carta que recebi (não me lembro de quem)
Você nela me dizia que quem é da boemia
Usa e abusa de diplomacia mas não gosta de ninguém[23]
Porém:
Provei
Do amor todo o amargor que ele tem
Então jurei
Nunca mais amar ninguém
Porém
Eu agora encontrei alguém
Que me compreende e que me quer bem
Quem fala mal do amor
Não sabe a vida gozar
Quem maldiz a própria dor
Tem amor mas não sabe amar
Nunca se deve jurar
Não mais amar a ninguém
Ninguém pode evitar
De se apaixonar por alguém[24]
Outro aspecto do trágico em Noel Rosa é a crítica política, principalmente quanto aos problemas nacionais, que aparecem disfarçados em sátiras e anedotas inócuas – já que é quase sempre muito perigoso criticar, no Brasil -, e que são “diplomáticas”, pois abusam do duplo sentido.
É o caso de “São Coisas Nossas”, e também de “Quem Dá Mais?”, onde o leiloeiro (quem é ele?) vende o Brasil inteiro (notar ainda a amargura disfarçada do compositor que tantas vezes teve que vender o seu talento, trocando a autoria de canções por algum dinheiro):
/…/
Quem dá mais?
Por um samba feito
Nas regras da arte
Sem introdução
E sem segunda parte
Só tem estribilho
Nasceu no Salgueiro
E exprime dois terços
Do Rio de Janeiro
Quem dá mais?
Quem é que dá mais
De um conto de réis?
Quem dá mais?
Quem dá mais?
Dou-lhe uma, dou-lhe duas,
Dou-lhe três!
Quanto é que vai ganhar o leiloeiro
Que é também brasileiro
E em três lances
Vendeu o Brasil inteiro?
Quem dá mais?[25]
E ainda o clássico, a cada dia mais atual, “Onde Está a Honestidade?”, a pergunta sem resposta.
Interessante que, por ironia, a “maldade” (no sentido de malícia) é atribuída ao povo, justamente aquele que sofre os efeitos da malícia, da maldade.
Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança nem parente
Só anda de automóvel na cidade
E o povo já pergunta com maldade
Onde está a honestidade
Onde está a honestidade[26]
Amor, fulguração e esquecimento; assim o tema aparece trabalhado em Noel Rosa.
Uma noite, como em “Dama do Cabaré”, depois mais nada. O amor que inicia como festa, que foguete e fogueira que ilumina a noite, morre como cinza, leve, apagado, ignorado.
Com seu aparecimento
Todo céu ficou cinzento
E São Pedro zangado
Depois um carro de praça
Partiu e fez fumaça
Com destino ignorado
Não demorou muito a chuva
E eu achei uma luva
Depois que ela desceu
A luva é um documento
Com que prova o esquecimento
Daquela que me esqueceu
Ao ver o carro cinzento
Com a cruz do sofrimento
Bem vermelha na porta
Fugi impressionado
Sem ter perguntado
Se ela estava viva ou morta
A poeira cinzenta
Da dúvida me atormenta
Nem se sei se ela morreu
A luva é um documento
De pelica e bem cinzento
Daquela que me esqueceu[27]
E o eu lírico muda de ideia, sua cor não é cinza, é a “cor inexistente”.[28]
Silêncio de uma parte de outra, por amor ou por desprezo. Desprezo por amor, amor por desprezo, como em “Pra que mentir?”
Pra que mentir
Se tu ainda não tens
Esse dom
De saber iludir
Pra que
Pra que mentir
Se não há necessidade
De me trair
Pra que mentir
Se tu ainda não tens a malícia
De toda mulher
Pra que mentir
Se eu sei que gostas de outro
Que te diz
Que não te quer
Pra que mentir tanto assim
Se tu sabes que eu já sei
Que tu não gostas de mim
Se tu sabes que eu te quero
Apesar de ser traído
Pelo teu ódio sincero
Ou por teu amor fingido[29]
Só que o poeta malandro é também sofista, e apresenta o mesmo tema sob vários pontos de vista diferentes, como vemos em “Tudo o que você diz”,
Tudo o que você diz
Com a maior lealdade
É mentira
É usar de falsidade
Fale a verdade
Toda gente fingida
Paga o mal que fez nessa vida
Por encher de ilusão
Um pobre coração
Podes crer que a mentira
O sossego sempre nos tira
Fale sempre a verdade
Mesmo sem ter vontade[30]
“Mentir”:
Mentir, mentir
Somente para esconder
A mágoa que ninguém deve saber
Mentir, mentir
Em vez de demonstrar
A nossa dor num gesto ou num olhar
Saber mentir
É prova de nobreza
Pra não ferir alguém com a franqueza
Mentira não é crime
E é bem sublime
O que se diz
Mentindo pra fazer alguém feliz
É com a mentira que a gente se sente mais contente
Por não pensar na verdade
O próprio mundo nos mente
Ensina a mentir
Chorando
Ou rindo
Sem ter vontade
E se não fosse a mentira ninguém mais viveria
Por não poder ser feliz
E os homens
Contra as mulheres na Terra
Então viveriam em guerra
Pois no campo do amor
A mulher que não mente
Não tem valor[31]
E “Você só…mente”:
Não espero mais você
Pois você não aparece
Creio que você se esquece
Das promessas que me faz
E depois vem dar desculpas
Inocentes e banais
É porque você bem sabe
Que em você desculpo
Muita coisa mais
O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente
Mas finalmente
Não sei porque
Eu gosto imensamente de você
E invariavelmente
Sem ter o menor motivo
Em um tom de voz altivo
Você quando fala, mente
Mesmo involuntariamente
Faço cara de contente
Pois sua maior mentira
É dizer prà gente
Que você não mente[32]
E mostra sua posição mais genuína, em “Filosofia”:
O mundo me condena
E ninguém tem pena
Falando sempre mal
Do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se eu vou morrer de fome
Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo
Que você me diga
Que a sociedade
É minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro
Mas não compra a alegria
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva a hipocrisia[33]
Não se pode saber até que ponte este irregular e evadido estudante de medicina estava a par das mais novas produções da poesia de sua época no país e no mundo. Se fez “flores do mal” em aquarela, talvez porque tropicais, não é simbolista, nem parnasiano, como tantos outros letristas de seu tempo. Por exemplo, “Quem Dá Mais?” é de 1932. “Cinzas”, de Cândido das Neves, é de 1937 (compare-se ainda com “Cor de Cinza”).
Muitas outras canções mostrariam o mesmo ecletismo de elementos românticos e parnasianos em quase todos os autores contemporâneos, assim como se pode notar no citado Cândido (Vicente Celestino, Orestes Barbosa, Catulo da Paixão Cearense etc.).
Além das temáticas da marginalização já mostradas, o duplo sentido, o uso do coloquial, as piadas, a malícia e o humor, Noel inventa recursos a cada letra, criando uma expressividade toda própria, explorando aspectos do canto, do ritmo, da fonação; como em “O Gago Apaixonado”.[34]
Ou ainda outras invenções originalíssimas, como o “sambas epistolar” “Cordiais Saudações”:
Estimo que este mal-traçado samba
Em estilo rude na intimidade
Vá te encontrar gozando saúde
Na mais completa felicidade
Junto dos teus confio em Deus
Em vão te procurei
Notícias tuas não encontrei
Eu hoje sinto saudade
Daqueles dez mil réis que eu te emprestei
Beijinhos no cachorrinho
Muitos abraços no passarinho
E um chute na empregada
Porque já se acabou o meu carinho
A vida cá em casa está horrível
Ando empenhado nas mãos de um judeu
O meu coração vive amargurado
Pois minha sogra ainda não morreu
Sem mais para acabar
Um grande abraço queira aceitar
De alguém que está com fome
Atrás de algum convite pra jantar
Espero que notes bem
Estou agora sem um vintém
Podendo manda-me algum
Rio, 7 de setembro de 31
(Responde que eu pago o selo)[35]
Ou o “samba anatômico” “Coração”, uma espécie de exorcismo das aulas de anatomia, que transmutadas em poesia recriam a linguagem científica, produzindo um saber que não é anatômico e nem a medicina pode abranger, mas que é um saber real, uma gaia ciência de afetos (e fazem lembrar do famoso verso de Maiakovski):
Coração de sambista brasileiro
Quando bate no pulmão
Faz a batida do pandeiro[36]
Não tenho, no corpo do texto, me referido a parceiros porque estamos tratando das letras, e, quando havia parceria, evidentemente o trabalho com as letras ficava por conta de Noel.
Exceção é esta hilariante resposta que Noel dá na segunda estrofe à provocação da letra e da música de Sílvio Caldas, que está na primeira estrofe:
Eu tenho uma cabrocha
Que mora no Rocha
E não relaxa
Sei que ela joga no bicho
Que dança maxixe
E que dá muita bolacha
Eu tenho um filho macho
Com cara de tacho
Que além disso é coxo
Ele me faz de capacho
Qualquer dia eu racho
Esse carneiro mocho[37]
A crítica e a autocrítica, na encruzilhada econômica, dão oportunidade a Noel de criar outro samba único, o inventivo “Com que Roupa?”, em que o eu lírico declara:
Agora eu não ando mais fagueiro
Pois o dinheiro não é fácil de ganhar
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro
Não consigo ter nem pra gastar[38]
O que tínhamos? De um lado o poeta malandro, que se recusa a trabalhar, a ser machista e a ser grosseiro. De outro lado uma cidade grande, no mais das vezes linda, mas crua, fria, indiferente, hermética.
Entre os dois apareceria então o duplo vaporoso da cidade, que é a cidade do poeta, feita de sensações soltas, escura, cristalina e movente; uma rede de afetos e perceptos. O poeta não é ninguém, ele é esse alguém particularmente corajoso, que, ao ouvir o apito da fábrica, que, se lhe fere os ouvidos, ao menos faz propaganda da mulher, começa a devanear, a sonhar com a amada, e a batucar uns versos no balcão do bar:
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por que não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina do meu carro?
Você no inverno
Sem meias vai ao trabalho
Não faz fé no agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você lê
Como eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você
Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda noturno
E você sabe por quê
Mas o que você não sabe
É que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos pra você[39]
Nestas considerações não estamos levando em conta toda a riqueza das melodias e harmonias de Noel, só ou com parceiros. A tão expressiva “Três Apitos”, em que a melodia se integra ao tema da letra e o multiplica, é inteiramente dele[40].
O poeta-malandro também tem seus referenciais, dentre as suas personagens. “João Ninguém” seria talvez o grande ideal do poeta: não trabalha, não se arrisca, não tem vintém – mas joga, ama e vive. Ele não se dá ao luxo de ter inimigos, ou ideologia, ou opinião. É quase que um mestre zen. E, no entanto, é figura facilmente encontrada em qualquer beco ou esquina do país:
João Ninguém
Que não é velho nem moço
Come bastante no almoço
Pra se esquecer do jantar
Num vão de escada
Fez a sua moradia
Sem pensar na gritaria
Que vem do primeiro andar
João Ninguém
Não trabalha um só minuto
Mas joga sem ter vintém
E vive a fumar charuto
Esse João
Nunca se expõe ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião
João Ninguém
Não tem ideal na vida
Além de casa e comida
Tem seus amores também
E muita gente
Que ostenta luxo e vaidade
Não goza a felicidade
Que goza João Ninguém[41]
Compare-se esta letra com a do samba “Vela no Breu” de Paulinho da Viola.[42]
Então, o poeta-malandro, que vive na cidade de concreto e foge dela com seu duplipensar, e vive agora em seu duplo de cristal, será que ele vive numa cidade feliz? Depois de escrever tantas “flores do mal” em cores vivas, metralhadora giratória atacando a corrupção geral de nossa sociedade[43], reduzindo suas necessidades ao mínimo possível – pode-se dizer que o poeta é feliz?
Deleuze fala em três sínteses do tempo relacionadas ao humano, não obstante o tempo subsistir por si. A primeira é o passado, ao qual se liga a faculdade da memória. A segunda é o presente, que está ligada ao hábito. A terceira é o futuro, com a qual se agencia a faculdade do pensamento.
O futuro é o tempo da criação, da libertação. É ali que podemos criar numa nova forma de vida, para nos desvencilharmos dessa forma comum, esvaziada, niilista. É no futuro que se escapa ao tédio, à rotina; mas também a uma forma de homem já estupificada, que não se angustia mais com o tédio nem teme a rotina.
E o poeta vai encontrar sua felicidade justamente na ligação com o pensamento, que lhe abre as portas para a criação e a terceira síntese do tempo – o futuro.
Arranjei um fraseado
Que já trago decorado
Para quando te encontrar
Como é que você se chama?
Quando é que você me ama?
Onde é que vamos morar?
Como eu vou indagar
Quando é que eu posso lhe encontrar
Pra conseguir combinar onde é o lugar
Em que você quer morar?
Como vou saber ao certo
Quando é você vem ficar perto
De quem já designou onde é o lugar
Do nosso lindo château?
Como é que você se chama?
Quando é que você me ama?
Onde é que vou lhe falar?
Como é que você não diz
Quando é que me faz feliz?
Onde é que vamos morar? [44]
Pode-se tomar o poeta como um mestre, e fazer com ele um aprendizado não apenas especificamente de poesia, mas um aprendizado para a vida? Ouvir os sambas e as canções de Noel Rosa e tirar dali uma ética, e procurar segui-la? E por que alguém faria sito? Por que alguém abandonaria a comodidade de sua rotina, a certeza de suas escolhas, por algo tão nebuloso quanto um poema, uma canção?
A nebulosidade é proposital e singular, ela é o grande trunfo de um poeta que recusa os trilhos e muros que levam à fábrica, à escola e ao presídio (por que alguém se torna malandro?). Ele consegue uma outra via para viver a sua vida, até o fim em liberdade e plenitude. Se, em última instância, morre de inanição (Noel praticamente não comia, e se supunha que era devido à deformação do maxilar inferior causada pelo fórceps no parto – porém não é tão óbvia assim a causa de sua recusa, pois “o samba mata a fome”), e ele se torna anoréxico e sai do corpo funcional, para viver a plenitude de um corpo expressivo, qual o drama? A maioria morre de fome ou de doenças provocadas por comer demais, e o que se ganha? Não pretendo concluir nada, nem fechar, gostaria de abrir mais, provocar novas inconclusões, novas alternativas e retroalimentações, pois é o próprio Noel que nos diz em metalinguagem que
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia /…/
Não tem tradução[45]
[1] ANDREATO, Elifas. MPB Compositores, n° 3, Noel Rosa, São Paulo, Globo, 1996, pp. 8, 20 e passim.
[2] ROSA, Noel. “São Coisas Nossas”, in Araci de Almeida Interpreta Noel Rosa.
ANDRADE, Oswald de. “pobre alimária”, in Pau-brasil, “Postes da Light’, Poesias Reunidas, p. 120.
SCHWARZ, Roberto. “A Carroça, o Bonde e o Poeta Modernista” in Que HorasSão?
[3] Esses conceitos não são a mesma coisa, mas Noel é um poeta complicado, que sugere polêmicas leituras.
[4] Espinosa.
[5]Discografia: Festa no céu/Minha viola (1930) Parlophon 78; Com que roupa?/Malandro medroso (1930) Parlophon 78; Cordiais saudações/Mulata fuzarqueira (1931) Parlophon 78; Samba da boa vontade/Picilone (1931) Parlophon 78; O pulo da hora/Vou te ripar (1931) Parlophon 78; Por causa da hora/Nunca…jamais… (1931) Victor 78; Gago Apaixonado (1931) Columbia 78; Quem dá mais?/Coração (1932) Odeon 78; Mentiras de Mulher(Com Artur Costa)/Felicidade (1932) Columbia 78; Coisas nossas/Mulher indigesta (1932) Columbia 78; Escola de malandro (1933) Odeon 78; Onde está a honestidade?/Arranjei um fraseado (1933) Odeon 78; Positivismo/Devo esquecer (1933) Columbia 78; Seu Jacinto/Quem não dança (1933) Odeon 78; Sentinela alerta (1934) Odeon 78; João Ninguém/Conversa de Botequim (1935) Odeon 78; De babado/Cem mil réis (1936) Odeon 78; Provei/Você vai se quiser (1936) Odeon 78; Quem ri melhor/Quantos beijos (1936) Victor 78; Noel Rosa (1965) LP; “Noel Rosa por Noel Rosa”, com o compositor cantando suas próprias músicas, Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (1967); Noel Rosa (1967) RCA Camden LP; Nelson interpreta Noel (1971) RCA Camden LP; Uma rosa para Noel – 50 anos depois (1987) Continental LP; Noel Rosa e Aracy de Almeida (1994) Continental CD.
[6] _______. “Cantando no Toró”, in Francisco, lp RCA Victor 140 0001, 1987.
[7] ROSA, Noel e PEPE, kid. “O Orvalho Vem Caindo”, in História da Música Popular Brasileira v. 1 Noel Rosa. São Paulo, Abril Cultural, 1970 (esta publicação a partir de agora será citada como História da MPB).
[8] ROSA, Noel e VADICO. “Tarzã, o Filho do Alfaiate”, in História da MPB, p. 12.
[9] ROSA, Noel. “Você vai se quiser”, gravação original de Noel Rosa com Marília Batista e Benedito Lacerda e seu Conjunto, 11 422-8, de 12/11/1936, in Publicações do Museu da Imagem e do Som, A Música Popular no Rio de Janeiro, v. 2, Noel Rosa e sua “Turma da Vila”, MIS – MP – 001 (esta publicação será a partir de adora citada apenas como MIS – MP – 001).
[10] ROSA, Noel e BARBOSA, Orestes. “Positivismo” in MAUTNER, Jorge e JACOBINA, Nelson. Árvore da Vida, lp BMG Ariola 670 0131, 1988.
[11] ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas, 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, p. 120.
[12] ROSA, Noel. “São Coisas Nossas” in Araci de Almeida Interpreta Noel Rosa.
[13] FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber, trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1986, p. 173.
[14] Os Pré-Socráticos, Abril Cultural, pp. 7-12, 75-136. Tales inaugura o ocidente quando passa do mythos ao logos, fazendo da Grécia o único lugar onde oriente e ocidente são condições de saber, pois o mesmo solo que era oriental quando dos estados mágico-religiosos gregos (modo de produção asiático) como Micenas, Creta e Tirento, vai ser o berço do ocidente com as práticas da pólis – democracia, tribunal, comércio, filosofia – de laicização da palavra, v. DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica.
[15] BERGSON, Henri. Introdução à Metafísica. Col. Os Pensadores, trad. Franklin Leopoldo da Silva. São Paulo, Abril Cultural, 1974, p. 17 e ss.
[16] Todas estas considerações sobre a potência do paradoxo foram tiradas, juntamente com os exemplos, de leituras de Lógica do Sentido, de Gilles Deleuze.
[17] ROSA, Noel e VADICO. “Conversa de Botequim”, gravação original de Noel Rosa e Conjunto Regional, 11 257-B, em 24/07/1935, in MIS – MP – 001.
[18] ROSSET, Clément. Lógica do Pior, trad. Fernando J. F. Ribeiro e Ivana Bentes, Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1989, p. 15.
[19] ROSA, Noel. “Quem Ri Melhor”, in História da MPB, lp.
[20] _______ e VADICO. “Feitiço da Vila”, in Araci de Almeida Interpreta Noel Rosa.
[21] ROSA, Noel. “São Coisas Nossas”, op. cit.
[22] _______. “Último Desejo”, in História da MPB, lp.
[23] _______. “Dama do Cabaré”, ibidem.
[24] _______ e VADICO. “Provei”, gravação original de Noel Rosa com Marília Batista e Benedito Lacerda e seu Conjunto, 11 422-A, 12/11/1936, in MIS – MP – 001.
[25] ROSA, Noel. “Quem Dá Mais?”, gravação original de Noel Rosa com Orquestra Copacabana, 10 931-A, em 02/07/1932, ibidem.
[26] _______. “Onde Está a Honestidade?”, gravação original de Noel Rosa e a Turma da Vila, 10 989-A, em 15/03/1933, ibidem.
[27] _______. “Cor de Cinza”, in Araci de Almeida Interpreta Noel Rosa.
[28] _______. “Silêncio de um Minuto”, ibidem.
[29] _______ e VADICO. “Pra que mentir?”, ibidem.
[30] ROSA, Noel. “Tudo o que você diz” in BUARQUE, Cristina e CAZES, Henrique. Sem Tostão… A Crise não é Boato…, cd Kuarup Discos, KCD-129, /s.d./. Os intérpretes neste trabalho fazem a aproximação das quatro letras, que tratam do tema sob pontos de vista diferente.
[31] Idem, ibidem. Caetano Veloso também faz um elogio da mentira, na resposta que a mulher dá a “Pra que mentir” em sua canção “Dom de iludir”, que é uma resposta àquela, v. À Luz do Solo. Paulinho da Viola tb dialoga com a canção de Noel em seu lp Cantando, quando grava “Mente ao meu coração” seguido de “Pra que mentir?”.
[32] ROSA, Noel e ROSA, Hélio. “Você só… mente”, ibidem. Esta letra não tem a mesma qualidade das outras, porém faz com originalidade (à época) a exploração do sufixo adverbial mente no duplo sentido com o verbo.
[33] ROSA, Noel. “Filosofia”, in BUARQUE, Chico. Sinal Fechado, lp Philips 6349 122, 1974.
[34] ROSA, Noel. “O Gago Apaixonado”, in A Arte de Moreira da Silva, lp Polygram 267 9085, 1981, disco 1, 2486 226.
[35] _______. “Cordiais Saudações”, gravação original de Noel Rosa e Orquestra Copacabana, Parlaphon 131 170, em 17 ou 18/08/1931, in, MIS-MP-001.
[36] _______. “Coração”, gravação original de Noel Rosa e Orquestra Copacabana, 10 1931-B, em 02/07/1932, ibidem.
[37] ROSA, Noel e CALDAS, Sílvio. “Cabrocha do Rocha”, in CALDAS, Sílvio. Histórias da Música Popular Brasileira, depoimento, lp CBS, 10 4265/6, 1973.
[38] ROSA, Noel. “Com que Roupa?”, gravação original de Noel Rosa e Bando Regional, Parlaphon 13 245-A, em 11/1930, in MIS-MP-001. Noel se envolveu com a Bohemia desde pré-adolescente; sua mãe, preocuada, escondeu uma vez suas roupas, pra ele não sair – e ele compôs o samba.
[39] _______. “Três Apitos”, in História da MPB.
[40] Fazer estudos de letras de canções sem levar em conta a melodia, a harmonia, o arranjo, os instrumentos, a qualidade da voz, as entonações, os ritmos, as síncopes, as pausas etc. seria o mesmo que estudar apenas o texto escrito de uma peça de teatro, sem levar em conta o enorme desdobramento e colorido que ela ganha (ou pode ganhar) na montagem cênica.
[41] ________. “João Ninguém”, gravação original de Noel Rosa e Conjunto Regional, 11 257-A, in MIS-MP-001. V. também “Maria Ninguém” de Carlos Lyra e Vinicius de Morais, a mulher zen, in GILBERTO, João. O Mito, lp.
[42] VIOLA, Paulinho da. “Vela no Breu” in Cantando, lp EMI Odeon 31C1628824122, 1976.
[43] A arqueologia do poeta-malandro cantor, com seu instrumento no braço, que é diplomata e fala a língua do nobre e a língua do pobre, e penetra na vila e no castelo, vem desde os trovadores medievais, e no Brasil encontra no poeta barroco Gregório de Matos Guerra um de seus fundadores, com sua viola, por ele mesmo fabricada, sua crítica acerba a 360° de sua sociedade, e seu estro camaleônico, erótico, lírico, pornográfico, satírico e religoso.
[44] ROSA, Noel. “Arranjei um Fraseado”, gravação original de Noel Rosa e a Turma da Vila, 10 989-B, em 15/03/1933, in MIS-MP-001.
[45] _______. “Não tem Tradução”, op. cit.