Paulo Coelho o escritor pop

Luis Carlos de Morais Junior

É assim que a orelha de um dos livros apresenta Paulo Coelho, e ele aparece muito à vontade nos programas da tv, mesmo fazendo de sua imagem um personagem cômico, assim como, sem saber cantar, fazia shows de Raul Seixas como se fosse o próprio, já que usava um cavanhaque parecido como o do roqueiro, e dublava suas canções, permitindo que o mesmo cantor fizesse dois shows em duas cidades diferentes na mesma hora (a ironia maior é que uma vez o próprio Raul Seixas foi hostilizado e não permitiram que cantasse, pois pensaram que ele era o sósia dele mesmo), além de vender seus livros por preços baixos em banca de jornal e fornecê-los grátis pela internet e escrever micro-crônicas em jornais populares, já ter sido traduzido em mais de cem idiomas e vendido e lido em quase todos os países do mundo, tendo recebido os mais distintos prêmios que governos e academias europeias oferecem , e eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Só falta que ele seja escolhido para receber o primeiro prêmio Nobel de literatura nacional, o que é possível e desejável, pela sua qualidade de cartão de visitas para a tão valiosa e ainda ignorada cultura brasileira

Se bem que é muito engraçada essa overdose de títulos e condecorações para um escritor tão popular, coisa que Kafka, Dostoiévski ou Joyce nem sonhariam atingir.

E não me venha Paulo Coelho falar como costuma que a literatura não se faz com Ulisses de Joyce, pois a literatura é uma arte, com suas grandes produções e suas progressivas simplificações que vão aos poucos atingir o público, como uma usina de força que produz uma energia mega-watts que vai ser reduzida para poucos watts e assim poder chegar às casas e iluminá-las; e com isso quero dizer que Ulisses e outras obras da mesma grandeza e importância são as produtoras de outras grandes obras e mesmo de obras menores, repetidoras, que vão ser as únicas que certa faixa da população vai conseguir compreender e fruir; o que não significa que apenas essas obras mais simples são a “melhor” ou a única literatura.

O crítico Silviano Santiago disse que não vai ler Paulo Coelho, e não gosta, considera lixo, mesmo sem ler. É uma atitude obscurantista, não podemos avaliar uma obra na sua total ignorância, isso é a oficialização do preconceito.

Assim também o é quando uma aluna de mestrado deseja fazer uma tese sobre o autor, e é proibida pela faculdade, sem maiores explicações – não há como explicar, é uma ideia pré-concebida.

A editora francesa que publica os livros do autor só o pode fazer porque o próprio dono se interessou pelos livros, pois a pessoa responsável pela escolha de títulos, que era brasileira, disse que Paulo Coelho não era um escritor de verdade.

O romance O Zahir (inspirado num conto de Jorge Luis Borges, a palavra árabe significa algo que domina a mente de uma pessoa, fazendo com que só pense naquilo), publicado em 2005, traz inovações inquietantes dentro da ficção de Paulo Coelho: uma é a apresentação de um personagem escritor que o leitor é levado a identificar com o próprio autor; a outra é a problematização da questão da fidelidade conjugal. È nesse livro que lemos um personagem (o inspetor) dizer ao narrador escritor:

Agora que o conheço pessoalmente, irei ler seus livros; na verdade, disse que não gosto, mas nunca os li.

Há várias reflexões e confissões do autor sobre o ofício de escrever, mostrando sua visão e mesmo sua teoria a respeito, toda a angústia do escritor e o desafio que é escrever, comparável a uma viagem pelo desconhecido, à qual ele se sente obrigado, não importando ou até mesmo pesando todo o sucesso que já adquiriu:

Olhando a multidão reunida para minha tarde de autógrafos em uma megastore no Champs-Elysées, eu pensava: quantas daquelas pessoas tinham tido a mesma experiência que eu tivera com minha mulher?

Pouquíssimas. Talvez uma ou duas. Mesmo assim, a maioria iria se identificar com o que estava no texto do novo livro.

Escrever é uma das atividades mais solitárias do mundo. Uma vez cada dois anos, vou para a frente do computador, olho para o mar desconhecido de minha alma, vejo que ali existem algumas ilhas – ideias que se desenvolveram e estão prontas para serem exploradas. Então pego meu barco – chamado Palavra – e resolvo navegar para aquela que está mais próxima. No caminho, defronto-me com correntezas, ventos, tempestades, mas continuo remando, exausto, agora já consciente de que fui afastado de minha rota, a ilha a que pretendia chegar já não está mais em meu horizonte.

Mesmo assim, não dá para voltar atrás, preciso continuar de qualquer maneira, ou ficarei perdido no meio do oceano – neste momento me passa pela cabeça uma séria de cenas aterrorizantes, como passar o resto da vida comentando os sucessos passados, ou criticando amargamente os novos escritores, simplesmente porque já não tenho coragem de publicar novos livros. Meu sonho não era ser escritor? /…/

São muitos os momentos de reversão do personagem à persona do autor:

/…/ Estive conversando com amigos que são seus fãs. Acham que uma pessoa que escreve livros como Tempo de rasgar, tempo de costurar, ou a história do pastor de ovelhas, ou a peregrinação ao caminho de Santiago, deve ser um sábio, com respostas para tudo.

– O que não é absolutamente verdade, como você sabe.

A que se deve o incômodo que o sucesso da obra literária de Paulo Coelho causa?

E qual é o valor literário real dessa obra?

Pertencer à Academia é e não é importante, é preciso lembrar que muitos cidadãos que nada escreveram, ou só escreveram coisas irrelevantes, foram admitidos nas suas quintas-feiras com chá, às vezes pela sua importância social e no imaginário das pessoas, às vezes pelo abuso do poder político, comum na ditadura militar e ainda na democracia.

Sobre a problemática, colocada em nível de ficção, um dos melhores pronunciamentos, e o mais carinhoso para com a Academia, é o romance Farda, fardão, camisola de dormir, de Jorge Amado. Durante um congresso de letras, ocorrido na SUAM, no início dos anos 80, eu perguntei ao romancista como os acadêmicos entre os quais ele estava se sentiam com a invasão do Petit Trianon, relembrando seu livro, e ele respondeu que como no relato, eles estavam conseguindo evitar que elementos alheios ao fazer literário adentrassem suas portas (o que, sabemos, nem sempre é verdade).

Não é o caso de Paulo Coelho, que é um escritor importante, pelo menos, pelo seu volume de vendas e repercussão mundial, só isso já garantiria a sua representatividade literária.

Quanto ao valor artístico, sua própria expressividade comercial parece depor contra ele, para muita gente. Ele seria um dos “maiores vendedores do mundo”, como o título do famoso livro de Og Mandino. Best-sellers e livros de auto-ajuda estão a priori sob suspeição, pois têm uma finalidade extrínseca, não literária, e pior, visam muito mais ajudar ao próprio autor, ao seu sucesso pessoal, através de fórmulas fáceis que todos podem entender e achar que aproveitam, quando na realidade sua mentalidade permanece como está, nada de novo acontece ali, são obras que não questionam ou aumentam nosso “sentimento do mundo”, na expressão de Drummond, um ótimo exemplo de poeta e escritor que não é fácil nem simples, nem pinta o mundo de cor de rosa, mas que realmente nos faz evoluir.

As características que aproximam Paulo Coelho dos best-sellers de auto-ajuda são: conselhos e visão de mundo otimista; ideias fáceis e simplificadas; enredos singelos e “bonitos”; uma linguagem simples e direta com vocabulário reduzido; utilização “exótica” de alguns dados culturais não concatenados ou analisados e parágrafos curtos com poucas descrições ou digressões.

Muita gente nota a semelhança entre seus livros e suas letras.

Jorge Mautner comentou comigo que ele já fazia jingles quando compunha, e agora continua fazendo a mesma coisa, só que sob a forma de livros.
A coisa não é bem assim, porque as letras e os livros de Paulo Coelho são tudo menos conformados, e os jingles sempre querem vender um pedaço do status quo, que, no entanto, se compra em bloco.

Paulo Coelho teve mesmo a coragem de enviar uma carta aberta ao presidente Bush quando da guerra do Iraque de 2003, em que se coloca contra a guerra e as novas estratégias do colonialismo .

E a grande força do que escreve está na coragem e na vontade que tem de mudanças, em realizar uma poética simples, que pode ser por todos compreendida, mas que não fala o que já se sabe ou se espera, ou repete os mesmos dogmas do senso comum, e sim prepara uma revolução, anseia por algo de novo.

Paulo Coelho apareceu para o público brasileiro escrevendo letras para Raul Seixas, que é outro antropófago ilustre da mpb, apesar e justamente por se ligar tanto ao rock’n’roll e à cena pop internacional.

Raul Seixas foi grandioso, imitando riffs, raptando concepções e arranjos, plagiando mesmo melodias de rocks originais (sem deixar com isso de ser grande compositor e precioso melodista); misturando estilos norte-americanos com ritmos do nordeste brasileiro; discutindo moral e política a partir de uma concepção trágica, repetindo de várias formas a pergunta sobre que faz o ouvinte com sua única vida; utilizando de maneira poética e alegórica muitos mitos e símbolos mágicos, em parceria com Paulo Coelho, com outros letristas (que sempre entravam no seu jogo) ou escrevendo ele mesmo (com grande estro) suas letras.

A ideia e a prática de movimento cultural, de revolução social, artística e filosófica, também aparece na obra de Raul Seixas e Paulo Coelho, nos anos 70, com a tentativa de fundar a Sociedade Alternativa.

O encontro entre Paulo e Raul é um encontro de dois grandes criadores, em que, na amálgama podemos ver os dois estilos correndo paralelos, mas nunca perdendo cada um a sua forma, o seu sentido.

É como o Solimões e o Rio Negro, que depois de se encontrarem, e formarem o Amazonas, continuam mantendo cada um a sua cor, lado a lado, por quilômetros.

O Paulo Coelho das letras (“Loteria de Babilônia”, “Al Capone”, “Rockixe”, “Tu és o mdc da minha vida”, “Não pare na pista”, entre outras) já tem todos os elementos ótimos ou duvidosos que vão caracterizar o escritor.

Os bons são uma visão original e muito prazerosa do mundo, o sentido da liberdade interior, a crítica da sociedade atual e seus valores em prol da algo que se acredita melhor e que virá, a arte feliz de criar imagens simples e muito belas.

O que é mais duvidoso em tudo isso é a mistificação (que já havia, assumida, nas letras, e que podemos exemplificar com “As minas do Rei Salomão”, que diz coisas assim: “E me empresta o seu colar/Que um dia eu fui buscar/Na tumba de um sábio faraó”) e a apropriação de textos e ideias alheias num total à vontade (haveria vários exemplos tanto nas letras como nos livros, alguns apontados pelo próprio Paulo, como no caso do enredo de O Alquimista, outros não confessados, como na letra de “Canto para minha morte” que é um poema de Jorge Luis Borges que está em Ficciones, e que eles simplesmente traduzem e utilizam, sem atribuir os créditos de autoria e parceria).

É certo que são características pós-modernas, principalmente o pastiche e a confusão quanto à questão da autoria, e a mistificação não exclusiva de nosso autor, ela é mesmo uma característica de criação de verossimilhança em boa parte das produções literárias, quando se atribuem supostos autores verdadeiros ao que se vai narrar, e se diz que só se mudaram nomes ou que aquilo é um manuscrito encontrado em algum lugar etc (vários exemplos, inúmeros, podemos citar Umberto Eco de O nome da rosa, Manuel Cavalcanti Proença em O Manuscrito Holandês e grande parte da produção ficcional de Eça).

Os livros de Paulo Coelho têm fôlego curto, o que também é uma característica atual, que mais representa qualidade do que defeito, para leitores que têm pouco tempo e paciência para ler.

Ficamos na dúvida se suas histórias são romances ou novelas, também pela sua estrutura, que é monodiegética (não traz vários problemas e situações que se cruzam, o que caracteriza um romance, e sim uma só situação para cada relato).

Discutir o valor de sua obra em função de seu esoterismo, se ele é realmente um mago ou não, se passou por aquelas experiências de verdade, isso é uma tolice.

Muitos artistas falam do mundo mágico, como metáfora ou instrumento de ação psicológica, ou ainda como uma arte antiga e que até hoje é praticada, e que tem seus efeitos sociais e individuais; isso no mínimo.

Ou Paulo Coelho tem razão e sua magia, a magia que tantos praticam, tem alcances cósmicos e mexe com tudo. Há várias formas de magia, e a televisão fazendo modas e políticos, ou Raul Seixas com suas letras que deslumbram geração após geração de jovens, são exemplos reais (Paulo Coelho quando perguntado disse que Raul Seixas era um mago da comunicação).

O que importa para quem lê ou ouve a sua obra é o que sente e o que faz com aquilo, e não julgar o quanto há de verdade ou invenção ali.
O Diário de um Mago de 1989 marca uma virada no estilo da escritura de Paulo Coelho, que já tinha antes publicado um manifesto e três livros . A partir de agora o autor se identifica como um mago, e esta obra inaugura o filão que ele vai continuar explorando, com seu lento sucesso, conquista de público, que foi crescendo aos poucos.

Ele, que já fizera dupla com Raul Seixas, vai aqui aparecer com dois orientadores, J. e Petrus, um o seu mestre da Tradição mágica, o outro o guia do Caminho de Santiago de Compostela. O livro contém rituais e exercícios mágicos e envolve o leitor com a simplicidade do narrador que se mostra como um homem comum deslumbrado diante do mistério, e retoma o tema de obras clássicas, como o filme de Buñuel, Via-Láctea, popularizando, vulgarizando o assunto, que perde em fantástico o que ganha em misticismo ao sabor popular.

Paulo Coelho adota em todos os seus livros, sem exceção, ambientações em outros países europeus (As Valkírias se passa quase todo nos Estados Unidos, este livro e Diário de um mago têm uma parte passada no Brasil, apenas porque seriam autobiográficos, mas, logo, o autor vai para o estrangeiro, e nenhuma rua ou local do nosso país aparece nos romances; O Alquimista se passa parte na África, parte na Espanha); parece quase que uma intolerância quanto à paisagem caseira, ou a necessidade de buscar outros solos, o que muito facilita seu sucesso internacional, ao dar aos seus livros o sabor de internacionalismo intencional (que agrada a estrangeiros que alimentam preconceitos ou ignoram de todo nosso país.).

Já no Diário de um mago aparece o pastor de ovelhas Santiago, que vai ser o protagonista de O Alquimista, fazendo uma ponta, coisa que acontecerá em quase todos os outros livros do autor; como se o personagem fosse Alfred Hitchcock, que faz pontas em todos seus filmes.

Há muito humor involuntário talvez para o autor, mas que ressalta ao leitor mais cuidadoso, nos livros de Paulo Coelho, na seguinte característica (principalmente nos relatos que se supõem autobiográficos): tudo que acontece com Paulo no caminho de Santiago, e que será considerado por ele como um acontecimento transcendental, pode ser simplesmente um delírio, uma supervaloração de coisas que absolutamente não tinham aquele significado.
Por exemplo, o cigano que tenta roubá-lo no início da jornada, o menino de quem Paulo segura a bola e que lha pede com insistência, o cachorro com o qual ele se embola no sofá da casa da pobre senhora que não estava entendendo nada do que estava acontecendo; tudo isso, entre outros exemplos, é tomado por Paulo e Petrus como sendo lutas com demônios e sinais transformadores, mas podem ser simplesmente coisas comuns que aconteceram com eles, e às quais eles atribuíram significados maiores apenas por seu desejo de encontrar algum em sua busca, num estilo de deliro de grandeza quixotesco.
A mesma coisa quanto ao mal estar que Paulo sentiu em seu apartamento quando fazia músicas com Raul Seixas nos anos 70, ou o encontro com o anjo no deserto, anjo que ele tanto queria ver e, quando achou que estava na sua frente, ele não teve coragem de olhar (As Walquírias). Essa leitura, acessível a qualquer consumidor de sua obra, faz dele um escritor muito mais rico e engraçado, uma espécie de Brancaleone pós-moderno.

O Alquimista (1987) é o melhor livro que Paulo Coelho já escreveu, a meu ver. Pode parecer duro alguém escrever seu melhor livro logo no início da carreira, mas é também sinal de que seu caminho é claro e muito mais espiralado do que linear. O Alquimista é onde expressa de forma mais plena a sua essência e a sua alegria, e é o relato mais gostoso de ler, ganhando mesmo em originalidade, ainda que o leit motiv seja conhecido e já tenha aparecido em muitos outros autores (inclusive uma história popular holandesa). Não é à toa que é o livro brasileiro mais vendido de todos os tempos . Aqui já aparecem muitas ideias recorrentes em Paulo Coelho, como Alma do Mundo, Lenda Pessoal e Guerreiros da Luz.

Paulo Coelho pode ser um escritor simples no sentido de ser facilmente entendido pela grande maioria da população com baixa cultura geral, mas não é simplório, é mesmo bastante sofisticado; suas chaves alquímicas estão escondidas nos pequenos trechos e margens do texto, muito mais do que na história principal, que é bonita e funcional por si.

Com Brida (1990) parecia que Paulo Coelho estava disposto a divulgar todos os aspectos do esoterismo em seus sucessivos lançamentos, pois o primeiro (da sua fase legível, ou o “bom” Paulo Coelho) tratava do mago, o segundo do alquimista, e agora vinha o da bruxa. Ou os dois primeiros da Tradição do Sol, e Brida da Tradição da Lua.

Ou o masculino e o feminino, ou o Alquimista é o mito do andrógino, porque sua integração total e global se dá pela conjunção do casal alquímico, homem e mulher unificados, como o rebis, o andrógino primordial reencontrado, que se lê no mito Hermafrodite, ligado ao de Narciso.

Brida faz ainda um diálogo com a física quântica, sempre de forma mais popular, ao sabor de uma supervulgarização científica, na figura de Lorenz, o namorado da bruxa, que é físico, e representa o racional masculino Yang que se casa com o irracional feminino Yin nas pessoas; mas também o mágico irrompendo dentro da própria ciência super-racional, como no caso da física quântica e seus paradoxos.

Seguiram-se As Valkírias (1992), que fala do deserto americano do Mojave, e do processo da canalização para se comunicar com a força divina; Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei (1994), sobre a face feminina de Deus; O Monte Cinco (1996), que cria ficções a partir do relato bíblico sobre o profeta Elias; Veronika decide morrer (1998), livro elogiado por Umberto Eco, que trata do amor à vida; O demônio e a Srta Prym (2000), conto que alude à luta do bem contra o mal.

Onze minutos (2003), nominadamente sobre o amor verdadeiro e a prostituição, na verdade é mais um dos seus livros sobre alquimia, sobre a relação do tempo com o espaço enquanto entidades mágicas, e do corpo humano como o grande laboratório químico da criação.

A rota de Santiago aparece espacializada como um quadro, e seus personagens principais, o casal Maria e Ralf Hart (nomes carregados de simbolismo, Maria a mãe de Jesus, e o nome da mulher de Magdala, Maria Madalena, que pecou e se tornou santa, lembrando ainda da letra “Ave Maria da Rua” que PC escreveu para RS; e Hart coração), a percorrem sem sair do lugar, durante os dias de sua aproximação. Na verdade, Maria a percorre desde a infância, desde o acontecimento do menino que lhe requisitou um lápis, como uma predestinação.

O relógio é o grande signo deste livro, e de uma maneira mágica aparecem na contrapaca o autor e Maria, na frente do relógio de flores de Genebra, cujo ponteiro das horas está sobre o onze, e o dos segundos sobre o um, como na descrição íntima que faz na obra.

De várias formas o relógio aparece no texto, o relógio é o sexo, mas é o próprio ser humano. E no relógio de flores vemos as horas voarem pelos ares, na conquista de um novo tempo, como no amor real do sexo real, possibilidade do aprendizado, Maria tem sua kundaline despertada, pela queda, com a prostituição e o sadomasoquismo como fundo do poço, e pelo amor verdadeiro.

Paulo ultrapassa o pós-moderno, isto é, o pastiche do pastiche, realizando seu sonho de escrever o livro no livro Os sete minutos de Irving Wallace, citando Bandeira misturado com Casablanca e o livro da prostituta, apresentada no posfácio numa tal embrulhada que já não sabemos de onde vem a história, de Maria que lhe escreveu ou lhe contou, ou de todas as prostitutas fãs que lhe pediram autógrafos no bar da Genebra.

O mapa da cidade é outro signo importante do livro, encontrar a rua da queda, a Rue de Berne, é o início da elevação, para o autor, para o leitor, também. De novo, o enredo vem de fora, mas isso não tem importância, Paulo Coelho não é um inventor de histórias, é um produtor de bem-estar pela revelação, um iniciador alquímico das massas.

O Zahir (2005) é romance muito interessante, que mostra evolução, reciclagem do autor, e discute com inteligência questões como amor, sexo, relacionamento, reprodução, filhos, rebelião, conflito entre gerações e a arte do escritor. É fecundo que um autor brasileiro coloque com tanta abertura a problematização da paternidade, da fidelidade feminina e do amor sem posse ou propriedade privada dos corpos.

Além destes há as adaptações de O Dom Supremo de Henry Drummond (1990), Cartas de Khalin Gibran (1998).

Histórias de pais, filhos e netos (2001); Maktub (1994) e O Manual do Guerreiro da Luz (1996) são coletâneas de máximas e historinhas.

Conheci Paulo Coelho através das letras das canções do Raul que tocavam na rádio na década de setenta, e desde então soube exatamente o que ele era, e ele já era famoso pra mim antes de lançar seus livros.

Na década de oitenta fui à sua livraria Shogun, que pertencia a ele, o que eu não sabia na época, propor a edição de um livro meu, e conheci Cristina Oiticica, sua esposa, que eu achei linda, e me perguntei quem seria o felizardo homem daquela mulher. Havia ali um livro de Paulo Coelho para vender, Arquivos do Inferno, que eu protelei para comprar depois, pois já sabia o que encontraria quando o lesse.

Pois é, (com toda a polissemia), Paulo Coelho é muito bom.

Ou, como disse uma vez Jorge Amado, sorrindo para os críticos intolerantes: “Escreva um continho”.

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