Noel Rosa e a Cidade – Parte 7

Só que o poeta malandro é também sofista, e apresenta o mesmo tema sob vários pontos de vista diferentes, como vemos em “Tudo o que você diz”,
Tudo o que você diz
Com a maior lealdade
É mentira
É usar de falsidade
Fale a verdade

Toda gente fingida
Paga o mal que fez nessa vida
Por encher de ilusão
Um pobre coração

Podes crer que a mentira
O sossego sempre nos tira
Fale sempre a verdade
Mesmo sem ter vontade
“Mentir”:
Mentir, mentir
Somente para esconder
A mágoa que ninguém deve saber

Mentir, mentir
Em vez de demonstrar
A nossa dor num gesto ou num olhar

Saber mentir
É prova de nobreza
Pra não ferir alguém com a franqueza

Mentira não é crime
E é bem sublime
O que se diz
Mentindo pra fazer alguém feliz

É com a mentira que a gente se sente mais contente
Por não pensar na verdade
O próprio mundo nos mente
Ensina a mentir
Chorando
Ou rindo
Sem ter vontade
E se não fosse a mentira ninguém mais viveria
Por não poder ser feliz
E os homens
Contra as mulheres na Terra
Então viveriam em guerra
Pois no campo do amor
A mulher que não mente
Não tem valor
E “Você só…mente”:
Não espero mais você
Pois você não aparece
Creio que você se esquece
Das promessas que me faz

E depois vem dar desculpas
Inocentes e banais
É porque você bem sabe
Que em você desculpo
Muita coisa mais

O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente
Mas finalmente
Não sei porque
Eu gosto imensamente de você

E invariavelmente
Sem ter o menor motivo
Em um tom de voz altivo
Você quando fala, mente

Mesmo involuntariamente
Faço cara de contente
Pois sua maior mentira
É dizer prà gente
Que você não mente
E mostra sua posição mais genuína, em “Filosofia”:
O mundo me condena
E ninguém tem pena
Falando sempre mal
Do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se eu vou morrer de fome
Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo
Que você me diga
Que a sociedade
É minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro
Mas não compra a alegria
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva a hipocrisia

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