GIGANTE
Foi, para mim, uma leitura incômoda, pungente, necessária. Um mergulho em nosso vazio cotidiano, em nossas falsas opções de consumo. Mas foi uma leitura renovadora, mais renovadora do qualquer livro de autoajuda. A busca consumista da eterna juventude, amores jovens, a negação da morte e da velhice, a recusa em se tornar adulto, em vencer e ocupar o lugar do Pai. Tem algo, de fato, um não sei quê, de Kafka, a mesma solidão conformada, a mesma inteligência falida, a mesma culpa e autossabotagem, o mesmo estranhamento sensacionista entre o mundo de fora e o mundo de dentro, a mesma profundidade das coisas aparentemente tolas da superfície. E uma metamorfose.
Como se pode desejar algo para um personagem de ficção? Isto deve ser sinal de que a narrativa nos envolveu. O Carlos, narrador/personagem trabalha em um escritório, mas é, de fato, um artista plástico. E eu fiquei a pensar: só desejo que o Carlos, porra, seja reconhecido em vida e não sacaneado e ignorado pelos vencedores e publicitários, como o Kafka foi. Será que a humanidade não aprende nunca? Será que ele cultua anões em vida e só dá chance aos gigantes depois que eles morrem? Um cara como ele, Carlos, não pode cuidar de marketing e outras babaquices. Suas gigantescas criações nascem da inadequação. Mesmo de certo impulso suicida que o faz, por exemplo, atacar com a lança de umas poucas palavras nossos enormes moinhos de vento que são os monopólios das telecomunicações do Brasil. No começo de O Príncipe, Maquiavel recomenda que não se contrarie a Igreja, então, toda poderosa. O mesmo, talvez, devêssemos dizer com relação aos conglomerados que dominam os meios de comunicação de massa. Só o suicida do Carlos insiste em atacar, de peito aberto, nossa Hollywood com filtro tupiniquim. Revolta, com certeza. Mas quanto haverá de autossabotagem nessa atitude? E o quanto nós precisamos dessa autossabotagem para nos manter saudáveis? Há muita força nas fraquezas do Carlos. Mas o rebanho é implacável e, no máximo, oferece cinicamente a posteridade como opção. Que se dane a posteridade!
Assinado: Cláudio Carvalho
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