Entrevista com Luiz Carlos Maciel – parte 1
Entrevista com Luiz Carlos Maciel, em 8 de julho de 2005
Publicada originalmente in Tecnogaia; Revista Independente de Cultura, Pesquisa e Saber. N° 2. Rio de Janeiro: TecnoGaia Cultural/Círculo ETER, Junho de 2007, p. 148-164.
8 de julho de 2005. Chegamos cedo, Cláudio Carvalho, Dandara e eu, à casa de Luiz Carlos Maciel, no Leblon, e a empregada nos abriu a porta. A sala cheia, repleta de fotos da família, e nelas se via a beleza de Maria Cláudia, a atriz, mulher do escritor. Maciel é muito simpático e boa praça, sentou-se conosco na sala, aberto a todas as perguntas. Quando ficamos satisfeitos com a entrevista, e ele ainda tinha que encontrar o correio aberto, desligamos o gravador, e começamos a falar sobre a transcrição. Ele me perguntou: “Você é quem faz as transcrições?”. Quando eu falei que sim, ele comentou que essa era a parte mais difícil. Lembrou dos tempos do Pasquim, quando era ele quem fazia a transcrição das entrevistas do famoso hebdomadário, e, em 1972, foram entrevistar o Tom Jobim num bar, e todo mundo bebia e conversava, toda hora chegava gente pra falar com eles. Então resolveram ir prà casa do maestro, pra poderem fazer a entrevista. Chegando lá Maciel ligou o gravador, mas todos falavam ao mesmo tempo, depois a fita era uma algaravia incompreensível, no meio da qual ele deve ter mais inventado que entendido as declarações. E comentou pra nós: “Bêbado não escuta”. Lembro sempre que Glauber Rocha apresentava nosso entrevistado como filósofo brasileiro. Luiz Carlos Maciel pensa, e pensa muito bem.
Dandara: Eu tenho grande curiosidade em saber por que esse termo contracultura, se na verdade todo tipo de expressão humana, do pensamento e do comportamento, tudo é cultura, não tem aquele cara que fez aquele negócio de alfabetização…
Luis Carlos de Morais Junior: Paulo Freire.
D: …que diz que tijolo é cultura. E eu que sou uma estudiosa de culturas florestais, o cupim faz cultura, a formiga faz cultura. Por que contracultura, eu queria saber o porquê disto, e se você concorda que seja realmente contracultura?
Luiz Carlos Maciel: Como todo rótulo, contracultura é super questionável, é uma coisa assim que as pessoas aceitam pra ter um rótulo. Sabe aquele negócio do Sartre, no centenário do Sartre eu fiz um negócio em São Paulo que eu tive que ler umas coisas do Sartre e Simone. Aí o Sartre já velho, já cego, já nas últimas, e aí o cara perguntou pra ele sobre o existencialismo, e ele diz “O existencialismo é um rótulo idiota. Isso aí não foi nunca escolhido, me colaram esse rótulo, eu aceitei, deixei rolar. Mas não serve pra nada, serve só pra manuais de filosofias, nos quais não quer dizer absolutamente nada.” Aí o cara pergunta pra ele assim: “Mas se o senhor tivesse que escolher entre o rótulo de existencialista ou marxista, qual é que o senhor escolheria?” “Bom, rótulo por rótulo, se eu tiver que escolher um, ainda prefiro o de existencialista.” (Risos)
D: Então você prefere o rótulo de contracultura?
LCM: Uma coisa assim, nenhum rotulado aceita totalmente o rótulo. O termo contracultura foi inventado pela imprensa americana. Contracultura é um termo de mídia. A mídia propaga tudo, a mídia manda. O que sai na mídia é adotado. Hoje as coisas estão nessas condições. E então, então foi adotado pelos próprios representantes da contracultura. O que a mídia e os jornalistas têm a ver com isso? É que aquelas manifestações culturais, que estavam aparecendo, criadas pelos jovens americanos da época, elas confrontavam, negavam, não eram submissas aos padrões culturais vigentes. O principal inimigo era a universidade. Tudo o que a universidade ensinava de um jeito, então os jovens iam fazer de outro. Pirraça, coisa de garoto. Era tudo ao contrário. Então, a música era rock’n’roll. O rock’n’roll, pelos padrões estéticos da música ocidental, era a coisa mais vagabunda e rastaquera que se possa imaginar, uma música em cima de dois acordes, qualquer um toca. Eu estava assistindo o Jornal Hoje que revolveu agora nas férias terminar um bloco apresentando uma banda de garagem. Então é aquela coisa, realmente, de um primarismo completo, né? No entanto essa música primária foi o grande hino daquele movimento. E que inclusive se qualificou, por vários motivos, continuaram com poucos acordes, mas mexeram um pouco na harmonia, os Beatles, mexeram muito na sonoridade, inventaram sonoridades novas, o Jimi Hendrix… Quer dizer, tem toda uma margem para se defender esteticamente até o rock, dos anos 70. E o resto mais ou menos se guia por aí, as outras manifestações artísticas, o teatro de Michael MacLuhan, por exemplo, a Barca, que é uma peça que fica repetindo todas as coisas o tempo todo. Então era uma coisa assim que tinha um desafio, uma implicância com os valores vigentes. Seria difícil que aquelas coisas fossem aceitas a nível acadêmico. Outra coisa, por exemplo; pensamento, filosofia. A contracultura valorizou em face da rica tradição filosófica do ocidente, valorizou o quê? Primeiro, uma tradição que é a tradição do pensamento mágico, esotérico. Pura superstição. No entanto, essa pura superstição passou a ser verdade na contracultura. Ou então o pensamento oriental, que sempre foi desprezado pela academia ocidental como um pensamento com rótulo inferior, uma coisa inferior. Uma vez, eu fui participar aí de um negócio que inventaram, de fazer um confronto filosófico entre Oriente e ocidente. Então foi um monte de pessoas falar sobre o Oriente, mas sobre o pensamento ocidental, porque aquilo era considera um evento de segunda categoria, não tinha a dignidade pra que um professor da universidade possa chegar lá e falar. Foi um só, o meu amigo Carlos Henrique Escobar, que é maluco, que aceitou ir lá falar pra defender a filosofia.
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