Entrevista com Jorge Mautner – parte 8

LC: A coisa é mais complicada. Porque a mulher desenvolve a inteligência humana, porque a revolução neolítica, de acordo com as pesquisas atuais, quem criou a tecnologia foi a mulher.
JM: As mulheres é que governavam Creta.
LC: Então não é ficar em casa, parada, esperando o homem chegar da caça.
NJ: Num sistema mais tribal, havia, é claro, sempre o homem, como a força física, e a mulher é mais sedentária.
JM: Na época da Creta.
NJ: É, Creta também foi, mas, normalmente, nas culturas assim, é quando começa a haver um sedentarismo, uma liberdade, começa a aumentar o poder do homem. A própria divisão de poderes é meio assim, né? Quanto mais vai se sofisticando a sociedade, não é sofisticando, porque uma tribo também é sofisticada, mas…
LC: Segundo Engels, é a sociedade com estado que se torna patriarcal. Ou vice-versa.
JM: A exceção é Creta. Robert Grace, repetido por Simone de Beauvoir. Quem inventou toda a cultura helênica foram as mulheres, em Creta, onde elas eram desenvolvidíssimas. Elas tinham matemática, geometria, toda a escultura. Só que elas exerciam um domínio sobre os homens justamente, pela cultura ser tão sofisticada, pois elas guardavam o segredo de dar a luz. Então elas enganavam e controlavam os homens cretenses, que eram submetidos. São só os jônios, patriarcais, bem selvagens, que arrastam mulher pelo cabelo, que, ao atacarem Creta, não caem nessa onda, e revertem tudo. Mas mesmo assim o poder das mulheres é tão imenso, que elas vão se refletir mesmo na ordem olímpica. Zeus Porta-égide está sempre em briga com Hera. Hera, a esposa dele, está sempre armando armadilhas – reminiscência dessa época. Em alguns lugares mais bravos, onde a luta se deu mais intensamente para sufocar o poder das mulheres, Hera vira Medusa, etc. Mas em outro lugar foi tão forte que elas continuaram politicamente com o poder, intelectualmente com o poder, que é a ilha de Lesbos. O que aconteceu é que, antes disso, no auge da Creta, segundo Robert Place, endossado por Bachofen, que acreditava nisso, Engels, Simone de Beauvoir, é o seguinte (porque pros outros não, era apenas um ligeiro matriarcado): elas é que inventaram tudo, foram os gênios, porque elas também chegavam ao cúmulo de imitar a colmeia de abelhas; ficava um ano só o homem casado com ela, o príncipe-consorte, e depois morria, em sacrifício. Mas elas desenvolveram tudo. A poesia ao máximo. E tanto quem vai sugar aquilo, transformar em arché como caráter, é Homero, e depois Hesíodo.
LC: Fazendo uma visão masculina, patriarcal. Também tem uma substituição de deusas. As deusas matriarcais foram se tornando más.
NJ: Numa volta ao primevo, uma coisa mais matriarcal que seria o politeísmo.
LC: E a figura de hetaíra na polis, porque ela tem a permissão de estudar. O homem precisa ter uma figura de mulher forte, mesmo dentro do patriarcado, mantendo a mulher livre.
JM: Zeus Porta-égide, além de sufocar, ele mata Chrónos, mas os irmãos dele não ficam satisfeitos, que parece que ele tinha prometido uma assembleia constituinte e tomou o poder. (Risos) Atlas, Sísifos, Prometeu, todos tramam, já, contra ele. E no entanto ele sufoca essa revolta dos titãs. Mas ele tem muitos problemas ali em casa, que Hera a esposa dele divide o poder com ele, armando, ela é um pouco inferior a ele, mas ela mesmo assim arma todas as complicações possíveis. E mais ainda: ele, no auge do poder patriarcal, ele nega até a capacidade da mulher de dar a luz. Não só Dionisos, numa das lendas, nasce de uma coxa dele, como Palas Ateneia nasce de uma dor de cabeça, ao invés da dor do parto é a dor de cabeça.
LC: E a Hera tentou ter um filho sozinha, e nasceu um monstro.
NJ: Eles são irmãos.
D: Vocês sabem que aquela ilha, isso estudando recentemente, a ilha que é hoje um dos lugares patriarcais mais terríveis, que é a Arábia Saudita, península, sei lá o que é aquilo, ali era um lugar que tinha uma série de dinastias femininas chamadas Kindesi, e a Rainha de Sabá era uma delas.
JM: Exatamente.
LC: Cultura negra, cultura africana?
D: As Kindesi eram negras. Mas você tem o negro na Índia, quer dizer, o negro ser africano é uma coisa também muito relativa.
JM: O ser humano nasceu africano.
D: Nasceu negro.
JM: Boa parte foi prà China e Irã, e depois a mesma voltou lá pra cima, pro norte, aí ficaram com as diferentes colorações.
D: Eu sei que existe uma tese popular que…
JM: Isso o dna que provou agora.
D: …é a seguinte: não se chuta cachorro morto. Onde a mulher é mais perseguida e mais maltratada é onde ela teve o poder maior e mais absoluto. Então, a Arábia Saudita é um dos lugares mais terríveis. E a Rainha de Sabá era chefe de estado que foi fazer uma visita diplomática e de negócios e teve um caso com o rei, além de todos esses negócios, ela teve um caso com o rei.

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