Entrevista com Jorge Mautner – parte 6
Depois do papo vimos o documentário Negro ingrato (2005), 64 minutos, sobre a vida e a obra de Abdias do Nascimento, de Dandara.
Dandara: Sim, mas eu acho que tudo isso, assim, na minha visão, começa no ideal positivista, de que o homem é o progresso, que o progresso é uma coisa maravilhosa necessariamente. O progresso infinito. O mundo vai crescer mais cinco por cento. Gente, o mundo vai crescer até quando? Quando vai começar a hora de dividir, de organizar? Até quando só o crescimento qualitativo é a solução? É meio isso assim.
LC: Mas o qualitativo não anda junto com o quantitativo? Por exemplo, hoje em dia um cara assalariado tem muito mais recursos que um rei da era moderna, porque ele tem essa tecnologia, então ele tem geladeira, ele tem fogão, ele tem vídeo…
D: Olha, eu não pensei sobre esse ponto. O livro que eu fiz ele fala sobre uma questão de como gerir, como lidar com os recursos naturais. Então eu vejo que na verdade como parte desse ideal positivista, isso associado a uma cultura que nasceu no deserto, a natureza tropical que é caótica, heterogênea, ela é associada ao mal. Ele precisa ser limpa. O ideal todo é esse no Brasil. Ela tem que ser limpa, pra então você começar a pegar aquele espaço e fazer uma projeção infinita da sua mente, da sua vontade.
LC: Uma europeização da natureza tropical.
D: É a mente de um povo que vem com uma cabeça e uma adaptação humano-ambiental que ela tem a ver com outra circunstância, eles não entendem esse espaço.
LC: Então eles não entendem a cultura desse espaço e a natureza desse espaço?
D: Eu acho que é muito mais do que entendimento. Não é coisa consciente. Eu acho que é toda uma maneira cultural de se relacionar, que passa muito pelo inconsciente, passa pela noção do belo, do prazer. Se você olha e analisa, tem um estudo de literatura florestal, desde a carta de Caminha. Se você analisa o ponto de vista do ocidental, ele tem uma sensação de desprazer e de choque cultural, de opressão, aquilo é um inferno verde.
LC: Você não vê um maravilhamento na carta de Caminha?
D: Eu vejo um maravilhamento na praia com as mulheres nuas.
LC: É.
D: O momento em que começa a haver uma penetração no território, uma relação com aquela natureza, toda a história é assim, “em se plantando tudo dá”, quer dizer, ele não pensa em conhecer, que aquilo é algo, que você pode criar uma vida a partir da convivência. Ele tem uma visão prévia, um pré-conceito.
LC: Você pode dizer o nome do seu livro prà revista?
D: A vingança das amazonas. É um livro que faz uma crítica ao positivismo, e propõe na verdade um Brasil do futuro que é uma ginecracia tecno-florestal. Que é engraçado, é um livro que tem muito humor, mas que tem muito estudo também, tem muita erudição sobre o que é possível fazer de positivo e de bom com a floresta como ela é. Tem um estudo meu de robótica floresta. Você sabe que a Suécia tem robôs florestais.
LC: Que legal.
D: A Suécia ganha muita grana com floresta. Eles empregam muita gente. E a floresta deles cresce a cada ano. Por que a gente não ganha tanto dinheiro? Por que a gente tem tanto desempregado que não tá na floresta plantando? Entendeu?
JM: A tecnologia que é responsável por todos esses fatores, e a política.
D: Então a política, eu tava conversando com ele antes, eu acho que nem é só uma questão de entendimento, é uma questão visceral de uma preparação mental muito profunda, entendeu? De achar que isso não tem valor, que isso não é belo, de uma sensação de desprazer, de uma necessidade de dominar esse ambiente, uma tentativa de apagar isso, limpa, e agora vamos fazer prédio, vamos fazer cana-de-açúcar, vamos inventar uma monocultura, vamos… A indústria florestal hoje ainda é isso. Na Bahia tá se tirando toda aquela vegetação nativa pra botar eucalipto.
LC: Você gosta da tecnologia.
JM: Ih, meu Deus do céu! E o mundo que será sacudido nesses próximos 30 anos, pelo maior feito? Nem a roda, nem a domesticação do fogo, nem a industrialização, nada se lhe compara, nem a desintegração do átomo. É a nanotecnologia possibilitando, através do mapeamento do genoma, a reconstrução da natureza humana em direção ao fim de todas as doenças e com longevidade indefinida indeterminada, e com energia infinita pelos auto-replicantes. E a instalação de chips, que não são necessariamente ruins, tipo Matrix.
D: Eu também acho que não.
JM: Porque se você botasse um programa incrível tecnoflorestal no chip.
D: Economiza séculos de educação. (Risos)
JM: Esse aspecto fáustico é o momento triunfal da humanidade agora.
LC: Mas sempre tem o perigo do controle estatal. Grupos que podem botar um chip em você e podem manipular.
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