Entrevista com Jorge Mautner – parte 4
JM: Você tem toda a razão, mas veja bem o que aconteceu. Essas guerras, o fim da Segunda Guerra, a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietnã, vem o governo militar, e nós éramos todos a cabeça feita, ou pelo mundo comunista, que investia, ou era o mundo capitalista, que também investia, investia com social-democracia, Hebert Marcuse, tudo também de esquerda, e os neutros! Então todo mundo tinha que ter uma postura política. Você pega assim o mais desavisado cantor ou interprete da música popular de rádio, eles tinham posturas políticas, o Jorge Veiga, o Blecaute… (Risos) É impressionante. Era uma condição sine qua non. Por exemplo, na época do governo militar… todas as músicas eram politizadas durante o Jango, durante todo o período, o tempo todo, era tudo muito, o Partido Comunista. Depois veio o CPC. Não havia quem escapasse disso. Mesmo, por exemplo, eu me lembro, de caras que eram ricos, milionários, eles tinham que se fingir de esquerda, senão não tinham namorada. (Risos) É o nível, vocês não imaginam como é que era. Era um outro mundo. E outra coisa. A queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria, e o início da outra, agora, houve a paz, a democracia, e a música, porque antes se usava o entretenimento para passar mensagens cifradas, acabou, então ficou o entretenimento em si, junto com o domínio das lentes, você vê, a música está quase subordinada à imagem, também, hoje em dia. Tem o dvd, você compra o disco, você quer ver o show. Mas passou a ser coisa pra ter só prazer mesmo, sem nenhuma, vamos dizer, cabeça. O que fez a instituição do movimento de massas, da periferia, como o hip hop, o funk, e o rap, que, esses sim, vêm com ideologia política. Não é gozado isso?
LC: Mas no seu cd com Caetano você faz três músicas contra o terrorismo…
JM: Ah, mas eu…
LC: Você é transtemporal!
JM: Eu sou o que Splenger classificaria, eu estou mais na Grécia e em Roma. Mas eu não tenho jeito.
LC: Mas essa questão do terrorismo, e também da droga, que você fala em “Coisa assassina”, são questões complexas, porque a tua geração é uma geração que usou as plantas de poder e as substâncias psicotrópicas, de uma forma muito boa, muito positiva, de expansão de consciência. Ou não?
JM: Eu posso lhe dizer: quantos não morreram, quantos não enlouqueceram? Tá olhando pra mim? Eu não sou louco. (Gargalhadas) Quantos não ficaram, né? Agora, eu me lembro, mais uma vez eu volto àquela época. O cara, a pessoa assim, que tava no meio das meninas gostosas, se ele não tomasse droga, ele tinha que fingir que tomava, e ele tinha que fingir pelo menos que era bissexual, senão não rolava… (Risos). Olha a loucura. Era um outro mundo. Então, hoje em dia, tem milhões, os partidos viraram indústrias em si, você tem… Agora, as drogas tinham também aquela coisa de expansão da consciência. Eu não preciso falar, o Nelson gosta muito de falar, do Timoty Leary, que começou oficialmente a serviço da Central Inteligency, não é Nelson?
NJ: Você leu aquele livro dele o Flashback?
LC: Não.
NJ: Ele era um professor de Harvard, ele vai mudando de companhias, terminou com os marginais, os artistas. Chegou a ter um processo que ele tava dando LSD no presídio de Nova York.
JM: … chega e pergunta: é permitido isso?
NJ: Ele ia aplicar o Bob Kennedy, aí sujou, ele fala até que ligou e já não atendia. Aí começaram a mudar as coisas pra ele, começaram a cortar as verbas, depois até proibirem o LSD.
CC: Tem um livro chamado A contracultura do Theodor Rosac, em que ele vai cair dentro do Timoty Leary. Vai cair dentro no seguinte sentido: o cara inventou a liberdade em pílula. O problema não está tanto em demonizar quanto em glorificar a droga. A droga é a droga, é uma pêra, uma maçã, uma uva…
JM: Na pêra cê volta. (Risos)
NJ: Droga é droga, é a drogaria. Aí também, algumas coisas fazem mal, ou dependem…
CC: Ou fazem mal pra alguns, não pra outros, que têm uma suportabilidade maior ou menor.
NJ: Eu acho que deviam sempre desincentivar as drogas. Mas liberá-las.
JM: Isso é o Nelson.
NJ: Eu acho.
LC: Você não é a favor da liberação não?
JM: Só se for com a obrigação de tomar. (Risos)
NJ: Nada de livre arbítrio!
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