Entrevista com Jorge Mautner – parte 10

D: Acho que não. Você não pode generalizar assim.
LC: Na cultura africana.
D: Na cultura rastafari.
NJ: A cultura rastafari é uma leitura jamaicana da cultura da Etiópia.
LC: Mas a Etiópia é muito influenciada pelo islamismo, né? O Jorge Benjor…
NJ: E também o judaísmo. Os judeus eram de lá.
JM: A Arca da Salvação está lá.
NJ: Parece inclusive que os rastafaris são monoteístas. É uma religião que vem daquela coisa judaica. Vem daquela fonte.
D: Eu acho lindo esse clipe da Shade.
NJ: Da Shade. Eu adoro ela.
D: É. Muito bonito como que ela fala. Ela tem uma fala assim muito rara na música do mundo, que é essa fala de uma mulher negra que de repente se ocidentaliza e consegue libertar esse texto do que que é essa sensualidade, do que que é essa sexualidade. Eu acho muito rara essa fala no contexto da música pop. Você tem muitas cantoras que cantam (hoje tá mudando isso) o que o compositor homem fala, isso é muito estereótipo. Essa fala mesmo sincera, Queen of Soul, é uma coisa maravilhosa, e muito rara.
LC: É interessante que no nascimento da canção lusitana a mulher falando na música era o homem que escrevia, né?, que era a cantiga de amigo. Então o homem falava a voz da mulher e a do homem também. A mulher não tinha permissão.
D: Agora vamos falar o contrário. Eu quero dizer o seguinte: eu percebo, na história da evolução da humanidade, como na minha própria vida, a importância do masculino, como algo que permite que você crie, que você particularize, que você individualize. Eu acho que sem isso, eu, na minha vida, por exemplo, seria uma pessoa totalmente soterrada pela energia da minha mãe e da minha vó. Eu jamais seria essa pessoa que eu sou hoje, entendeu? Se eu não tivesse esse aspecto na minha própria personalidade, a relação com o meu pai, a relação com os homens da minha vida. Eu acho que é fundamental. Então eu acho que esse excesso de raiva, de ódio contra o feminino, ele nasce de uma tentativa de, de um reflexo da humanidade e do mundo de equilibrar uma coisa que foi muito excessiva. Eu acho que o poder da mãe é terrível, a mãe absoluta, a mãe abelha rainha. É uma coisa que… E o neolítico inteiro ao que se diz, o homem não sabia que ele gerava também, o neolítico inteiro todos são sujeitos ao poder de geração da mulher. Então, escreveu não leu amigo, até logo. Então eu vejo que isso é um equilíbrio. Que a gente está, eu espero, chegando perto, quem sabe mais cem, duzentos anos, quinhentos, de alguma coisa onde haja mais… talvez os chips adiantem. (Risos) Essa história, entendeu? Eu vejo isso. Eu vejo que nada mais fértil que uma mulher que tem prazer. E mesmo que você na ilha de Lesbos considere que o homem é descartável, eu vou te dizer, eu como mulher, eu acho o seguinte, que você tem partes da sua vida, do seu corpo, da sua essência, que você nunca descobre, sem uma relação com o homem. Então eu acho que também tem que se tomar cuidado nesse resgate do que, ah, o feminino também não é o começo. Até porque se Deus é pai a gente nasceu da mãe, mora aqui no corpo da mãe.
LC: Mas o equilíbrio é valorizar os dois. Valorizar o feminino no masculino do homem, o masculino da mulher.
CV: O equilíbrio não destrói o prazer? (Risos)
JM: É a luta pela questão do equilíbrio.
LC: O equilíbrio é luta, Heráclito.
NJ: O equilíbrio não é ficar numa coisa do meio, é movimentado.
D: Isso é uma loucura. Eu acho que o equilíbrio é basicamente impossível por mais do que quinze segundos, um minuto.
LC: Eu tava falando em termos sociais, quer dizer, uma sociedade em que a mulher não seja oprimida, nem o homem seja oprimido, todos sejam cidadãos.
NJ: A gente está tendendo a isso. Nunca teve uma sociedade tão perto de, cada vez mais perto disso.
JM (severo e irônico): Então por que vocês a criticam?!?!?

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