DESAFIOS PARA UMA GESTÃO ÉTICA NO TERCEIRO MILÊNIO – Parte 2
Assim, em face ao poder incomensurável que a tríade profissão-empresa-mídia passa a desempenhar no século XX, a par da cada vez maior conscientização dos eleitores da responsabilidade e da força da prática política convencional, surge a demanda por uma ética política e uma ética profissional, que vai se desdobrar ainda em ética da empresa e ética da propaganda e da mídia.
Há também a questão do gigantesco poder criador e destruidor das novas tecnologias biológicas, com assustadoras pesquisas sobre transgênicos, clonagem e engenharia genética, técnicas que prometem gerar novos produtos e maiores possibilidades de lucros; isto é, a própria vida é manipulada por uma nova engenharia, e é vista como produto mercadológico. Assim, temos mais esta denominação, a bioética.
A força que a sociedade tem para exigir transparência das políticas, empresas e profissões é enorme, em potencial. Na verdade, esse poder depende totalmente do grau de conscientização da população que abrange, da sua qualidade educacional, da sua consciência política e do seu acesso aos meios de informação.
No Brasil, temos a tradição secular de o povo ser alijado das questões políticas, e isso se rebate em um desinteresse generalizado pela política institucional, pelo papel e o desempenho da mídia e das atuações das empresas.
A questão política de nosso país passa necessariamente por uma profunda reforma educacional, não só no sentido específico da empresa escola, seja privada ou estatal, mas da própria visão de acesso do cidadão comum à formação, à informação e às demandas sobre políticas, serviços e produtos.
O cidadão precisa se integrar ao seu poder de cobrar qualidade de vida, antes de tudo, qualidade essa que se manifesta em setores essenciais como política de administração civil, construção, trânsito, saúde, transporte, segurança, previdência e educação. Mas que também transparece em setores secundários, como outros tipos de serviço, e da linha de extração/produção/distribuição/propaganda/consumo.
O cidadão deve se conscientizar que tanto o governo quanto as empresas trabalham para ele, que ele é quem lhes paga por seus serviços e produtos, e que ele tem o direito de acessar todas as informações sobre esses serviços e produtos, tais como: modo de produção, origem do capital, percentual de taxas, consequências ambientais e sociais, fórmulas, efeitos sobre a saúde, o ambiente, a sociedade etc.
Educar então começa por dar recursos de pesquisa e análise sobre todos esses elementos da empresa (considerando inclusive o próprio estado como tal), para facultar a todos os cidadãos o status de consumidor em uma democracia, isto é, o elemento que paga e recebe os produtos e serviços (inclusive os políticos e gerenciais governamentais, vale repetir) com plena consciência dos fatores envolvidos e das suas consequências.
Vemos bem que educar então é uma fase do mesmo processo político, que podemos chamar alternativamente de gerenciar: cada vez mais as várias faces da questão ecológica se integram, os meios de produção e consumo se integram, mas, também, cada vez mais, os aspectos da cultura e da vivência humana também se integram, quer dizer, só se pode pensar numa qualidade de Administração pensando numa melhoria da Educação e da Política.
Vários estudiosos colocam o problema de estarmos vivendo uma época pós-Moderna ou pós-Contemporânea, caracterizada pelo capitalismo pós-industrial e pelo neoliberalismo. Tantos prós e contras, pós e neos, tanta retomada reestruturada, tanta revisão e reengenharia, acabam confundindo as pessoas e as empresas. Quais os valores que ainda se sustêm hoje? Como pensar na manutenção de valores numa época de cada vez maior velocidade de convívio e de transformação? Que valores transmitir para as novas gerações? Que valores podem a política, a escola e a empresa defender e praticar?
Primeira questão para deslindar a caminhada nessa selva: a globalização é uma rua de mão dupla. Se, por um lado, o mesmo refrigerante e o mesmíssimo filme são igualmente “amados” por consumidores de virtualmente qualquer latitude e longitude, por outro lado esse refrigerante e esse filme perdem o “sabor”, quer dizer, o seu tom cultural, o que se rebate em dizer que eles perdem os seus valores, já que a valoração simbólica humana é cultural, ela depende do contexto de uma civilização à qual se integra. Podemos ver aí a origem da crise moral da qual o capitalismo tardio usufrui. Vejam bem, não só a crise moral pela qual passa a nossa sociedade, mas, também, aquela que permite a equação: tudo igual mercadoria, que acaba por gazeificar todos os valores morais criados e sustidos por nossa própria sociedade capitalista algumas décadas antes.
Como discernir valores globalizados ? Sem poder se apegar a valores transtemporais (como se supunham antes, e não eram) nem setorizados por classes, faixas e regiões, tendo que se comunicar e atuar globalmente, os homens ainda procuram por valores. Uma ética é uma busca pela eficácia de valores. Uma moral é a certeza do comportamento orientado por certos valores. De novo a pergunta: que valores buscar, os quais possam ser globais e aos mesmo tempo transitórios, planetários e ao mesmo tempo topológicos (isto é, atendente a regiões, culturas ou até mesmo grupos específicos)?
A própria ideia e a prática da democracia, como espaço que permite a instauração da empresa e a livre iniciativa, e ainda faculta o exercício de quaisquer atividades e serviços e o desenvolvimento individual, e a sua atuação, essa democracia pode servir de parâmetro ético transversal, que possa ser usado globalmente, sem entrar em choque com as diferenças culturais, tanto quanto o mercado internacional o permita.
É na democracia que podemos encontrar um modelo, um parâmetro, para a ética das empresas, da política, das profissões e da biotecnologia.
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