DESAFIOS PARA UMA GESTÃO ÉTICA NO TERCEIRO MILÊNIO – Parte 1

Luis Carlos de Morais Junior

Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais.(Félix Guattari)

Quais são os maiores desafios para a ética empresarial no terceiro milênio?
Hoje em dia o capitalismo, se se globalizou e atingiu o seu auge, “capitalismo tardio”, segundo Frederic Jameson, também se colocou como um emaranhado de crises, cuja resolução é muito difícil de antever.

Uma delas diz respeito à própria dinâmica do capitalismo, que precisa sempre da expansão e da criação de novos mercados para a manutenção do status quo. Isto quer dizer que, se uma empresa obtém o mesmo nível de lucro no ano seguinte, ela está no vermelho; o seu lucro só se garante quando em expansão.

A situação globalizada do mercado, que se apresenta como o máximo da capitalização das relações, também aponta para uma crise permanente: a limitação futura (na verdade, presente) da expansão desse mesmo mercado.

E quais as respostas das empresas a esse problema? A criação artificial de demanda, a busca por criar mais consumo, ultrapassando todas as barreiras normalizadoras que o próprio capitalismo industrial do século XIX ajudara a consolidar, dentro do paradigma de uma moral burguesa e de uma visão de mundo humanista.

Outra crise premente relacionada ao estágio do capitalismo globalizado é a contingência ecológica, a relação dos sistemas vivos, geográficos e econômicos entre si, num desequilíbrio constante, num efeito em cascata de inadequações ambientais, sociais e culturais, que levam a graves riscos para várias espécies, inclusive a humana.

Claro que esses três efeitos/crise se integram e interligam, e, mais, se retroalimentam. O que aparece visivelmente com maior gravidade é o problema social, as disfunções entre produção, mercado e consumo, gerando desde a miserabilização artificial de camadas vastas da população até aquilo que Thorstein Veblen chamou de o “consumo conspícuo”.

O homem vebleriano tem um grau de complexidade bem maior que o seu correspondente neoclássico. Ao invés de uma escala de preferências, ele possui, ou melhor, é possuído por propensões instintivas contraditórias; os objetivos sugeridos pelo instinto predatório e de trabalho eficaz estão em patente conflito. Esta incompatibilidade dos desejos aponta para a existência de uma irracionalidade estrutural dos indivíduos, segundo Schneider (1948, p 112). Para Veblen, tal como na visão de Freud, estes conflitos internos não se mostram para a consciência dos indivíduos, e as ações seriam um fenômeno superficial influenciado por esses processos ocultos. Tais atos têm de ser mediados por algum esquema teórico para que adquiram significado; por si só, eles pouco informam acerca dos objetivos últimos dos agentes.

Note-se bem, os três problemas estão totalmente integrados; não é só a questão de como continuar gerando lucros, e sim, como continuar expandindo o mercado, movimentando o capital, lidar com a velocidade das mudanças das normas e ainda assim preservar uma convivência qualitativa, levando ainda em conta as questões social e ambiental.
Os três vórtices não só se integram, como são, os três, eminentemente problemas éticos. Quer dizer, são questões que dizem respeito à felicidade humana, aos valores e aos comportamentos dos seres humanos. Não devemos mais nos pensar como indivíduos ou espécies isoladas: o que ocorre no social e no ambiental está o tempo todo presente no dia a dia de cada um de nós. Como já dizia Félix Guattari, o que há o tempo todo são as três ecologias: a mental, a ambiental e a social . Somente considerar uma é errado: o equilíbrio mental depende do ecológico e do social, e todas as outras relações, também.

Por isso são tão necessários uma reflexão e um pensamento criativo a respeito das relações entre a empresa e a Ética.
A Ética é uma reflexão filosófica a respeito do comportamento humano, dos valores que o norteiam e das relações entre os homens, em nível pessoal e social, tendo em conta esses mesmos valores e as ações que eles determinam.

A Ética investiga as respostas comportamentais e normativas que o ser humano desenvolve como consequência necessária da sua propensão a ser um animal que distingue opções, leva em conta valores simbólicos e faz escolhas.

E ainda, a Ética é o estudo da felicidade humana, quais valores a promovem, e como o indivíduo pode se encaminhar na sua direção, através de seus valores e atos.
No século XX, a sociedade ocidental se deparou com um poder das empresas e das mídias (meios de comunicação de massa) nunca antes encontrado na sociedade humana.
A propaganda de uma empresa, por exemplo, pode ter um impacto social tremendo; os seus produtos podem ter repercussão e efeitos gigantescos; a sua produção e consumo podem ser ambientalmente devastadores.

Empresa e mídia se acoplam, dentro das estratégias de marketing, para usufruir desse poder, no sentido de tirar as melhores consequências mercadológicas dele.
Esta situação social, onde a equação, que tem como termo comum o lucro e a única constante o capital, abandona rapidamente todos os valores instaurados por um modo de vida burguês e liberal, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Vivemos estressados, numa sociedade pró-maquínica, mas, anti-humanista.

No dizer de Olgária Matos:
Sociedade pós-ética é a sociedade “pós-humanista”, uma vez que nela os laços telecomunicativos entre os habitantes de uma sociedade de massa não se fazem pela leitura, como vimos, geradora na tradição greco-latina, de amizade, sociabilidade e afabilidade. Criticar a cultura contemporânea requer incluir a crítica à mídia em nome do modelo amigável da sociedade literária. Assim como na antiguidade romana o livro perdia sua luta contra os anfiteatros de gladiadores e todos os teatros de crueldade, hoje a educação formadora do espírito livre, de tolerância e compreensão do outro, está sendo vencida pelas forças indiretas das mídias padronizadoras da sensibilidade e do pensamento.

Leave a comment