De Noel a Joel – parte 2
Segundo Manuel Bandeira, o maxixe é uma forma de lundu adotada, pois era o apelido de um dançarino de lundu que inventou um modo, esse jeito do maxixe, de dançar.
(Três momentos de percussão ainda mais valorizada, no sentido experimental: “A dama do cabaré”, de Noel, interpretada na gravação original por Orlando Silva, 78 rotações, pela RCA Victor, de 1936; “Construção”, de 1971, de Chico Buarque; e “Bahia, berço do Brasil”, composição de Baianinho, que é o nome artístico de Eládio Gomes dos Santos, cantada por Jorge Benjor no LP coletivo Os maiores sambas-enredo de todos os tempos, volume 2, 1972).
Havia um enorme preconceito em relação ao maxixe (e ao jongo e ao lundu e depois ao samba), políticos se opunham, a polícia reprimia, a Igreja pregava contra, os pais proibiam, os professores doutrinavam, até os escritores falavam mal!
Sinhô, que não à toa foi amigo e admirado admirador de Oswald de Andrade e Manuel Bandeira , compôs o samba (dos seus) “Fala meu louro”, em 1920, debochando de Rui Barbosa, por causa de um acontecimento folclórico da nossa política, quando Nair de Teffé, esposa do presidente Marechal Hermes da Fonseca, levou o maxixe “Corta jaca” de Chiquinha Gonzaga ao palácio do Catete,em 1914 .
Debochando do preconceituoso Rui Barbosa, que era famoso por falar muito e bem, e era baiano, Sinhô fez “Fala meu louro”:
A Bahia não dá mais coco
Para botar na tapioca
Pra fazer o bom mingau
Para embrulhar o carioca
Papagaio louro do bico dourado
Tu falavas tanto
Qual a razão que vives calado?
Não tenhas medo
Coco de respeito
Quem quer se fazer não pode
Quem é bom já nasce feito
É interessante notar que não só Chiquinha e Sinhô estavam sendo evolucinários; precisamos também reconhecer a importância de Nair de Teffé:
/…/ Agora, vejam; quem dedilhava o violão era nada mais nada menos que a mulher do Presidente da República, Nair de Teffé. Como eu disse, ela era ousada e já velhinha em certa ocasião ela disse a respeito daquela noite: Foi uma noite prafrentex. E foi prafrentex mesmo, porque o marido dela, o Marechal Hermes da Fonseca, em 1907, ministro da Guerra do Governo Afonso Pena, havia proibido as bandas militares de executar maxixes. A Igreja Católica também embirrou com o ritmo pagão: em janeiro de 1914, o Cardeal Arcoverde, arcebisbo do Rio de Janeiro, condenou a dança indecente, na qual, conforme descrição de um jornalista da época, macho e fêmea davam a impressão de quererem possuir-se. E agora essa pouca vergonha irrompia no Palácio do Catete por iniciativa da primeira-dama. O então Senador Rui Barbosa, que em 1910 havia sido derrotado por Hermes da Fonseca na disputa pela Presidência da República, subiu à tribuna para fulminar o corta-jaca /…/ A irreverente Nair de Teffé reagiu com humor: lascou uma impiedosa caricatura de Rui Barbosa, fazendo o senador reclamar: “Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu” .
Eis a letra de “Corta-jaca”, de Chiquinha Gonzaga:
Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço, tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Este passo tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Quem me vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
Um flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!
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