Controle e subjetivação

Luis Carlos de Morais Junior

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
(Gregório de Matos)

A televisão em 2005 fez cinquenta e cinco anos no Brasil. O futebol não está entre nós nem há um século. A internet relativamente popularizada é coisa que começou na década de noventa.

Tão recentes práticas parecem ou podem parecer para o senso comum vindas do início da nossa civilização, embutida e incrustada com a alienação e a robotização, desde seus momentos iniciais.

Nas práticas terapêuticas o papel do profissional precisa ser repensado; gerar dependência ou fazer alguém acreditar em alguma verdade fixa é produzir uma nova neurose, ou psicose, pior do que a primeira, mesmo que seja considerada como normal no âmbito social.

O corpo é puro poder não formalizado, que está anterior às pulsões. O ser é constituído pelas sínteses de produção, de consumo e de registro, que vão criar a sua individualidade, como um efeito ou reação de conjunto de efeitos a processos, agenciamentos maquínicos pelos quais passa desde o nascimento.

Freud e Lacan reduzem essa potência energética a uma forma já dada como instância formadora do inconsciente; mas, o que ocorre é uma energia criadora e plástica, puro afeto, que pode ser secundariamente convertida em pulsão e necessariamente em perversão, ou formalizada como lei, sendo possível libertá-la dessa dualidade: aí está o escopo da esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Claro que esse escopo não se reduz a uma prática terapêutica exclusiva ou exaustiva; pode estar em qualquer instância social, formulações alternativas do ego e dos processos de subjetivação. Porém, é muito importante que haja o espaço clínico antiinterpretativo, que serve como um referencial e um desregulador das outras instâncias.

O capitalismo se tornou tão global que quase se supera, que pede a sua superação, mas não se sabe por quê, pelo quê. Alguns falam num retorno a um certo primitivismo, e há muitos idealismos que se baseiam na ideia de uma pureza originária. Mas nós sabemos que não houve uma pureza originária, em todo lugar o que houve foram versões da mesma humanidade com convenções e dominações, com uma palavra no seu idioma que designa o membro daquela tribo ou nacionalidade como sendo “ser humano”, e outro vocábulo para se referir a quem é de fora, é estrangeiro, como sendo “não gente”.

A monstrificação do outro é a base do capitalismo, fenômeno que já havia antes, mas se globaliza como ideal de um modo de ser, como se fosse uma natureza, que é próprio de uma cultura, de uma etnia (que é uma noção meramente cultural, qualquer pessoa nascida e criada em uma sociedade de qualquer etnia se sentirá e será considerada como pertencente a ela).

Outro fator de superação do capitalismo é o desastre ecológico iminente, que se anuncia desde as práticas pré-históricas (não necessariamente neolíticas, simplesmente aquilo que a nossa historiografia oficial não abarca, que é quase tudo); ora, o deserto do Saara foi uma floresta equatorial e tropical, e não foi a tecnologia pós-científica que o transformou, foi alguma técnica anterior. Porém, o moto, a motivação, depredar para consumir, já estava lá, no coletor, no caçador, no luxurioso. Agora, a partir da industrialização, essa prática se tornou industrial também, em escala planetária.

Revolucionar o nosso status quo não pode depender de violência, pois ele está entrelaçado com ela, e formas que se propõem como alternativas vêm a se mostrar meras variações. A questão é uma revolução interior, anticonsumista, mais que comunista, pois a proposta de um modo de vida de consumo é a mola que mantém o funcionamento da máquina capitalista.

A toda hora há milênios que aparecem, brotam, florescem, e nós somos os contempladores dessas plantas, dessas flores.

Gostaria de falar da minha preocupação com o efeito estufa, as calotas polares, e o uso de petróleo para fazer combustível. E também, que o carro a hidrogênio só produz vapor d’água quando funciona.

Mas as coisas são bem mais amplas quando pensamos em termos de todo. As calotas polares já derreteram e congelaram de novo tantas vezes, o mundo muda em círculos que vão trazendo novas criações.
As teorias político-econômicas que se desenvolveram durante a vigência da revolução industrial, isto é, desde o final do século XVIII até meados do século XX não conseguem mais entender os fenômenos sociais e de consumo desta primeira quadra do século XXI.

Um caso a se considerar é o conceito marxista de fetichização da mercadoria. O que vemos hoje vai muito além do fetichismo singular com esse objeto, que vai ganhar características divinas e eróticas, apenas por ser um objeto de consumismo capitalista.

O que acontece hoje é que ele se torna antes de tudo um signo de uma nova linguagem, com a qual é preciso saber trabalhar, e que é preciso saber utilizar, para que se possa realmente ter imersão social adequada. Ou ainda: quanto melhor for o uso performático do indivíduo daquele sistema transversal de signos de consumo, arte e cultura, mais ele estará integrado e será beneficiado pela sua sociedade pós-moderna e novicapitalista.

Há uma intertextualidade interespecífica ou intergenérica, e ainda intermidiática e intersemiótica, que é pouco mensurada, pelo seu grau de consumo de linguagem, da coisificação da linguagem como objeto de consumo, que espelha o caráter e o nível de consumo do seu público consumidor.

Coisas como a estética de um romance ou personagem ser replica no design de objetos, o que já acontece há muito tempo e de várias formas, mas que agora traz a carga de ser um distintivo de classe, de faixa de consumo; quem pode entender essa citação numa peça de decoração ou de uso cotidiano, vai saber dar o seu devido valor, e mais, conseguir entender o humor do que o designer propõe na sua citação, e por isso será o seu target, o público (mais sofisticado) alvo daquele trabalho.

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