A filosofia – parte 2
A Ciência é uma forma de conhecer e agir sobre o mundo, é um modo de fazê-lo que tem certas especificidades, e para determiná-las vamos ver o quadro de todos os tipos de conhecimento, e como a Ciência se encaixa aí.
Tudo o que dizemos e pensamos como seres humanos vem de uma das cinco formas de conhecimento que nós mesmos produzimos para compreender o mundo:
• Arte
• Senso comum
• Mito
• Filosofia
• Ciência
A ordem da apresentação procura especular sobre a cronologia do aparecimento das práticas. Supostamente o ser humano faz Arte desde que se tornou ser humano, ou até mesmo antes, pois muitos outros seres vivos produzem efeitos que chamaríamos artísticos, estéticos, visuais, sonoros, cenestésicos, e especulamos que são motivados pela corte com finalidades sexuais ou por marcação de território, mas esta teleologia dos seus movimentos expressivos é uma forma humana de compreendê-los, e não há certeza do motivo que leva os canários a cantar ou os tangarás a fazerem sua dança.
O ser humano já se entende como ser humano artístico, sem saber ou discernir que fazia Arte, mas sabendo que recriava o mundo de uma forma expressiva, através de pinturas rupestres, arte plumária, dança, pintura corporal, cantos, extração de sons melódicos e rítmicos de materiais que encontrava à sua volta, etc. Não se pode saber quantos grandes pintores e Amadeus da música ou cantores maviosos houve no mundo desde que o homem é o que é.
O senso comum é a opinião (doxa), isto é, tudo que se repete sem criação, crítica ou critério, aquilo que se ouve e se passa adiante; é o estofo do modo de vida da maioria das pessoas, e tanto carrega informações úteis e práticas quanto atulha as mentes com bobagens e irrelevâncias. Mesmo sendo tão custoso, no sentido de ocupar as pessoas, carregar suas energias e carrear suas paixões, não é objeto de ataque por parte da Filosofia (ou da Ciência ou da Arte). O pensador compreende que o homem comum (que quer dizer o homem que tem as suas práticas e ideias regidas pelo modelo do senso comum) não poderia suportar sem ele, está afeito a não pensar, ou pensar o mínimo possível, e não suportaria um outro modo de vida. Por outro lado, o senso comum tem pouca tolerância com a criatividade do pensamento, e mal disfarça seu ódio à Filosofia, muitas vezes. A característica mais marcante do senso comum é o seu dogmatismo, isto é, não está sujeito a reformulações e não tem um tipo de estrutura que permita a criatividade ou a inovação. Uma demonstração disto está no homem que, regido pelo senso comum, não se apega a Filosofia (ou Arte ou Ciência) e com o passar dos anos continua “achando” sempre a mesma coisa, isto é, tendo sempre a mesma opinião, que irá defender com unhas e dentes, sem perceber o quanto ela nada tem a ver consigo mesmo, o quanto a “importou” de acontecimentos contingentes de sua época e sua região.
O conhecimento mítico-religioso é constituído de explicações mágicas sobre a origem e o funcionamento dos fenômenos do mundo, é uma antropomorfização das formas naturais. O homem procura agir sobre as coisas, ou entendê-las, através da personificação das forças da natureza. Assim é que um primitivo com medo do raio faz as suas homenagens ao deus do trovão, para conseguir o seu favor.
O Mito é uma forma de conhecer o mundo, uma das primeiras que o ser humano usou, e é criativa na sua origem, quer dizer, cada Mito quando é criado é por uma ação criativa do homem, muito parecida com a do artista. Pode ser que no início não houvesse separação entre as duas atividades, mas houve um momento em que elas tiveram que se separar, pois seus objetivos e modos são diferentes, e o mítico-religioso torna-se dogma depois que é criado, enquanto o artístico permanece sempre aberto à criação. Quem entra para uma religião, ou acredita num Mito, não pode modificar esse conhecimento. Se o fizer estará criando um outro Mito ou fundando uma outra religião, que se conseguir seguidores vão segui-la sem questionar e recriar, ou não a seguirão de todo.
O senso comum tende a ser dogmático por falta de atividade, é um conhecimento que arruma as coisas sem muito interesse na forma da arrumação, e que visa a viabilizar a convivência, a comunidade, a sociabilidade, nivelando por baixo, pelo mais óbvio, mais fácil, e vê em cada novidade uma ameaça e essa estase comunitária que alcançou.
O Mito tende a ser dogmático porque é da sua própria estrutura como explicação exclusiva e revelada não poder ser questionado, precisar ser aceito como um todo. Há agentes da revelação das narrativas míticas, que são iluminados pelo divino, são os “mestres da verdade” da Grécia Arcaica como os chamou Marcel Detienne, que os há em todas as tradições, e mesmo hoje. Não podem ser questionados, são sábios e revelam algo que está além da compreensão humana, por um favor transcendente; as narrativas míticas são migalhas do conhecimento total, que é incognoscível para o ser humano.
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