A filosofia – parte 1

Luis Carlos de Morais Junior
O pensamento é anterior e posterior à linguagem verbal, mas se formula com ela, no campo em que se comunica, quando se torna comum aos homens, nas formas sociais. E é por isso que o modo de ser de uma língua interfere na maneira de pensar de seus falantes originais, e, especialmente, nas construções de pensamento socializadas que eles produzem. É o caso do Mito de cada povo, das suas formas de Arte, e, principalmente, da Filosofia, que já nasce marcada pelo modo de ser do indo-europeu, na sua versão grega, que formatou a Filosofia, sendo depois sucessivamente atualizada em latim e nas línguas latinas, eslavas e germânicas contemporâneas.

O indo-europeu constitui a frase com sujeito (pronominal ou nominal), verbo e complementos, objetos e adjuntos, que podem ser nominais ou verbais. Essa maneira de organizar a exposição do pensamento contribui para a forma de se constituir do próprio pensamento, num processo de retroalimentação.

Assim, o verbo em português pode se apresentar, quanto à transitividade, intransitivo, transitivo direto, transitivo indireto ou bitransitivo. No latim os verbos transitivos que pedem objeto direto fazem o nome declinar no caso acusativo. Declinar é sofrer uma inclinação em relação à forma reta, o nominativo, o caso do sujeito. Assim também falamos nos pronomes pessoais retos, que funcionam como sujeito da frase, e oblíquos, ou declinados, que podem servir como complemento dos nomes e dos verbos. Já o dativo dá conta do objeto indireto, em latim. Na maioria das vezes, para o adjunto adverbial, usa-se o ablativo; mas em alguns casos ele é referido pela preposição que pode pedir acusativo, ou dativo, ou genitivo, segundo o caráter da língua (o genitivo é o caso do adjunto adnominal com preposição de, o antigo adjunto restritivo em nosso idioma, o “genitiv form” do inglês). Enquanto o alemão apresenta os casos muito mais simplificados, o antigo indo-europeu trazia mais dois, que davam conta da vasta gama dos adjuntos adverbiais, junto com o ablativo, a saber, locativo e instrumental.

Em português, um verbo pode não pedir complementos obrigatórios, trazer toda sua significação em si mesmo: Fulano corre. Os complementos que possam se lhe acrescentar, como onde, quando, de que modo, etc, são informações a mais que se dão. São verbos intransitivos.

Os transitivos diretos podem objeto direto: Fulano come pão. Os que pedem um complemento regido por preposição se chamam transitivos indiretos: Olha pra mim. E os que pedem os dois objetos são bitransitivos: Fulano deu o livro pra Sicrano.

Nossa língua indo-europeia já nos marca a maneira de pensar com a ideia de um sujeito da ação, uma ação e um objeto da ação. Ao sujeito está ligada a ideia de atividade, ele é o senhor da ação. Ao objeto se liga a passividade, é ele que sofre a ação.

Quando pensamos em conhecimento, logo pensamos em um sujeito e em um objeto de conhecimento. Quem estuda, estuda alguma coisa.

Essa ideia do conhecimento é a marca da Ciência, desde o seu primórdio, que está no início do próprio filosofar. Queria-se fazer Ciência, isto é, um saber sobre o real, que fosse estudo desse real. Mas isso não foi Ciência, durante muitos séculos, foi um saber que se colocava na fronteira da Filosofia e do Mito.

É a criação do método científico que dá conta do nascimento da Ciência, que podemos perceber no século XVII, fruto dos esforços somados de Bacon, Galileu, Newton e tantos outros. O método científico pode ser resumido como observação do fenômeno, formulação de uma hipótese sobre o fenômeno, experimentação da hipótese, formulação de uma teoria, matematização dos resultados. Essa é a física moderna, grande base científica da contemporaneidade. E ao mesmo tempo se situa numa das três camadas da Ciência, que se pode dividir em Ciências físicas, biológicas e humanas.

Método é uma palavra que vem do grego, e significa no caminho (metá = prep. de gen., dat, acus., em meio de etc., hodós = via, caminho, estrada; marcha, viagem, caminhada). O método é o caminho de cada pensador. O órganon é o instrumento que ele utiliza, a lógica. Logo, todo pensador possui um caminho próprio, um método, e um instrumento, uma lógica. Assim falam os filósofos.

Mas o cientista ficou sendo um caso particular de filósofo, que não filosofa, isto é, não constitui seu caminho, seu método, e seu instrumento, seu logos, mas já parte de um método consolidado e igual para todos, que ele vai chamar de metodologia científica. A Ciência é sempre metodológica, racional e referencial (estuda referentes, coisas do mundo).

Nas escolas e faculdades costuma-se atribuir importância à Filosofia aceitando o seu lugar entre as Ciências humanas, e principalmente, as sociais. Tal atitude, que traz a marca já de algum tipo de Filosofia, que coloca o pensamento político como centro do filosofar, na verdade é uma redução e diminuição do seu poder e escopo. Precisamos começar investigando o que é a Ciência, e qual o lugar das Ciências humanas no quadro das Ciências em geral; depois vamos ver qual a relação da Filosofia com estas e aquelas. É preciso lembrar que a Filosofia nasce nos séculos VI e V a.C., a Ciência nasce no século XVII d.C., e as Ciências humanas na virada do século XIX para o século XX.

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