A aula


(lembranças de uma aula do filósofo Cláudio Ulpiano)
Publicado originalmente em Pensar de outra maneira a partir de Cláudio Ulpiano. Org. Mário Bruno, André Queiroz e Isabelle Christ. Rio de Janeiro: Pazulin, 2007, p. 145-148.
Neste ano foi publicada a tese de doutorado: ULPIANO, Cláudio. Gilles Deleuze: a Grande Aventura do Pensamento. Rio de Janeiro: Funemac, 2013.

Luis Carlos de Morais Junior
Chegamos ambos ao restaurante natural naquela rua pouco movimentada, era noite. Entramos e subimos ao segundo andar, sem encontrar ninguém. A sala estava apinhada mesmo, não havia nenhum centímetro no chão para sentar. A pequena sala de um consultório de psicanalista, usada naquele momento para uma sessão de esquizoanálise; uma aula de filosofia deleuziana. O grande filósofo, do alto dos seus metro e noventa e tantos, na poltrona, fumando cigarros Minister dos quais arranca o filtro, bebendo muito café, falando calmamente, os olhos sagazes pulando pelos rostos, nas pausas voltando-se para o teto, enquanto o filósofo pensa.

Lucas não pegou o princípio da aula e mal entendeu o que ouviu quando entrou: os termos recobrem as coisas. Os elementos lógicos recobrem as intuições categoriais. As proposições recobrem os estados de coisas. Proposição: sujeito, cópula, predicado; Sócrates é careca.

Estado de coisas, chamado fato. O fato é tudo o que ocorre.

Classicamente, ser é o que existe e não-ser o que não existe. Aristóteles afirma dois tipos de ser: o atual e o que está em potência. O que está em potência ainda não existe.

Todas as coisas em ato estão em relação. Essa relação implica a oposição, logo todas as coisas existentes têm que ter resistência. A resistência é um conjunto de qualidade; quando essas qualidades não aparecem na relação entre duas coisas, elas continuam tendo algum tipo de existência. A dureza do ferro quando ele não é tocado, o azul da camisa do Salmo no escuro, deixam de existir?? Não, eles tornam-se primeiridade, na terminologia de Peirce.Os estados de coisas são secundidade. Na primeiridade as qualidades são autônomas e sem relação. A faneroscopia estuda tudo o que aparece, mas o afeto não aparece, a não ser encarnado em estados de coisas ou expresso.

Movimento expressivo: o rosto, livre do movimento sensório-motor. O rosto em close no cinema, o rosto das pinturas barrocas e renascentistas. Abstrato é aquiloo que não está em relação, porém tem uma presença: afeto (potência e qualidade). Todas as energias que estão noreal estão em degradação. Mas o afeto é energia potencial, que não se degrada, é o fim da morte térmica, é fonte infinita de energia. No estado de coisas encontram-se as coordenadas de espaço e tempo, o mundo geográfico. O mundo potencial é paisagem, um espaço propriamente afetivo.
A percepção é o instrumento para apreender o mundo real.

O percepto apreende o mundo possível.

Ler: O que é a Filosofia?, de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Estados de coisas – mundo da ciência. Mundo possível – mundo das artes, mundo estético. MAS você não pode pensar o mundo atual sem as formas potenciais.

A individuação e a subjetivação estão no mundo real dos estados de coisas. Erro de Kant e Descartes: pensar o a priori, o transcendental, a condição de possibilidade (que é primeiridade) como formas da consciência (do sujeito), que é secundidade (mundo real).

O a priori é inconsciente. Os indivíduos se constituem em função da primeiridade. Os afetos ganham o nome de singularidades quando eles se relacionam com os indivíduos. As singularidades pré-individuais se encarnam nos indivíduos e os constituem. A síntese passiva do ato gera os organismos – secundidade. Um artista do transcendental é inorgânico. Um geômetra da primeiridade é um gótico. Simondon.

Ler: em Aristóteles, ato e potência. De Proust e os Signos, o capítulo sobre a essência. Ler o capítulo “Imagem-afecção” no Cinema 1 de Deleuze.

As proposições não funcionam em cima dos afetos, pois estes não fazem relações. Mundo pré-atual.

No entanto há conjugações virtuais dos afetos.

E conexões atuais dos estados de coisas, feitas pela individuação.

Nicolau de Cusa e Scottus Erígena: complicatio.

O comportamento dos vivos pressupõe os afetos. A própria razão é uma espécie de paixão apaziguada.

Quando os afetos se corrompem eles se tornam pulsões, afetos degenerados, que trazem complicação aos comportamentos. A pulsão lida com o lixo do universo, os fragmentos, as deteriorações, o embrionário.

Arte realista trata do sentimento (atualização do afeto).

Arte naturalista trata das pulsões (degeneração do afeto).

Arte expressionista trata dos afetos.

Quando um elemento real se relaciona com um potencial há degeneração. Caso da dialética – a tese é real (ser), a antítese (não-ser) é potencial. Hegel coloca a secundida em oposição à primeiridade. Isto é pulsão. Nòa há relação entre os elemntos em oposição.

A matéria é potência (de receber formas).

Uma matéria só se torna atual quando recebe as formas (substancial e acidental).

A matéria sem a forma é pura potência.

A matéria, antes de receber a forma, tem qualidades; ao receber a forma as singularidades tornam-se individualidades.
Máquinas clássicas.
Máquinas térmicas.
Máquinas de informação.
/…/
O filósofo tem efizema pulmonar e está cansado. Já são quase dez horas da noite, e os jovens alunos não conseguem ir embora, todos querem ficar ouvindo o filósofo.

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